Depois de alguns meses de relativa tranquilidade, o mercado de criptomoedas tem um novo vilão. Trata-se do banco Silvergate, que está derrubando os preços de boa parte dos ativos digitais e gerando receio de uma nova crise em um setor ainda traumatizado pelos derretimentos da corretora FTX e do projeto Terra.
O caos começou na quarta-feira (1º). O banco – com posição destacada no setor cripto por ser uma das principais fontes de capital para grandes empresas do segmento, como a Coinbase e a Binance – anunciou que iria atrasar em duas semanas a apresentação de seu relatório anual aos reguladores da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC).
Como já existia no setor um temor sobre a saúde financeira do banco — principalmente por sua relação no passado com a falida FTX —, o atraso fez com que players do mercado especulassem que os problemas da instituição fossem ainda piores do que o imaginado.
O temor se traduziu em queda drástica das ações da Silvergate, que chegou ao final da quinta-feira (2) com uma desvalorização de 58%. As criptomoedas acompanharam o movimento de queda:
Entre às 22h e 23h (horário de Brasília) de ontem, a cotação do Bitcoin (BTC) despencou de US$ 23.420 para US$ 22.270 — uma queda de 4,9%. No mesmo período, outras criptomoedas também recuaram, como o ETH (-5%), BSV (-18%) e FIL (-10%).
Essas grandes quedas de preço num curto intervalo de tempo desencadearam uma cascada de liquidação. Dados do Coinglass mostram que, nas últimas 24 horas, 78,2 mil traders tiveram suas ordens fechadas, com o total de liquidações chegando a US$ 239,6 milhões. No caso do Bitcoin, trata-se da maior liquidação da criptomoeda desde agosto de 2022, segundo o CoinDesk.
O efeito disso tudo foram US$ 44 bilhões deixando o mercado cripto. Se na manhã passada a capitalização total do mercado estava por volta de US$ 1.072 trilhão, nesta sexta-feira o número fica por volta de US$ 1.028 trilhão, segundo o CoinMarketCap.
Os apuros do Silvergate
Tudo começou a dar errado para a Silvergate quando aconteceu o colapso da corretora de criptomoedas FTX, em novembro do ano passado. Afinal, o banco tinha US$ 1 bilhão em depósitos na exchange criada por Sam Bankman-Fried, que quebrou do dia para noite.
A instituição também tinha muitos projetos ligados às tecnologias cripto, como a criação de uma solução de pagamento baseada em blockchain, que tiveram que ser abandonados.
Precisando de dinheiro, a Silvergate vendeu ativos que estavam no prejuízo e realizou uma perda de US$ 886 milhões no último trimestre. Essa informação foi divulgada ontem pelos analistas do JP Morgan, quando rebaixaram a classificação das ações da Silvergate.
Há ainda a expectativa de que o banco terá que vender mais US$ 1,7 bilhão em ativos em breve, já que há empréstimo feito no Federal Home Bank of San Francisco que precisa ser pago.
Quando foi anunciado na quinta-feira o atraso na divulgação dos relatórios financeiros, a nota da Silvergate dava o panorama de uma série de fatores que poderiam afetar a capacidade da empresa de continuar em operação.
“Existem ou haverá fatores importantes que podem fazer com que os resultados reais da empresa sejam diferentes daqueles indicados nessas declarações prospectivas, incluindo, mas não limitado a restrições nos negócios da empresa, resultantes de vários litígios (incluindo litígios privados) e inquéritos regulatórios e outros e investigações contra ou com relação à Empresa, investigações de nossos reguladores bancários, inquéritos do Congresso e investigações do Departamento de Justiça dos EUA.”
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Ou seja, além da crítica saúde financeira da Silvergate, o banco também parece estar no centro de uma série de investigações das autoridades americanas.
Empresas abandonam Silvergate
Nesta situação delicada, empresas de criptomoedas que usavam os serviços da Silvergate optaram por abandonar o banco essa semana.
A Coinbase, maior corretora de criptomoedas do EUA, foi uma das primeiras a se distanciar da Silvergate. A Coinbase comunicou no Twitter que não iria mais iniciar ou aceitar pagamento feitos através do banco, explicando que a decisão foi tomada “com muita cautela à luz dos eventos recentes”.
“A Coinbase facilitará as transações em dinheiro de clientes institucionais com nossos outros parceiros bancários e tomou medidas proativas para ajudar a garantir que os clientes não sofram nenhum impacto dessa mudança”, garantiu.
At Coinbase all client funds continue to be safe, accessible & available.
— Coinbase (@coinbase) March 2, 2023
In light of recent developments & out of an abundance of caution, Coinbase is no longer accepting or initiating payments to or from Silvergate.
Outra exchange famosa no mercado, Crypto.com, disse ao Decrypt que também rejeitaria fundos transferidos de ou para sua plataforma via Silvergate. “Depósitos e saques via Silvergate foram temporariamente suspensos”, disse um porta-voz da empresa.
A exchange de criptomoedas Gemini, fundada pelos gêmeos Winklevoss, foi outra que parou de aceitar saques e depósitos de clientes através Silvergate em sua plataforma de negociação.
A exchange de criptomoedas Bitstmap, com sede em Luxemburgo, declarou que interromperia temporariamente seu suporte a transferências bancárias realizadas via Silvergate em uma postagem no blog, dizendo que seus pagamentos em dólares americanos seriam facilitados usando o Signature Bank, outro banco popular entre as empresas do setor de ativos digitais.
A Circle e a Paxos, empresas famosas pela emissão de stablecoins, também reveleram nos últimos dias que não usariam mais os serviços da Silvergate.
No Twitter, a Circle disse que estava atualmente “no processo de desfazer certos serviços com [Silvergate] e notificar os clientes”, enquanto a Paxos disse que apesar de abandonar o banco, “continuaria processando todos os pagamentos de saída” para os clientes normalmente.
Outras duas empresas que também se distanciaram da Silvergate neste momento de crise foram a Galaxy Digital e a Cboe Clear Digital.
A perda de seus principais clientes tende a dificultar ainda mais a recuperação do banco, que já via sua receita cair desde o final do ano passado. A Silvergate havia revelado no passado que seus depósitos caíram de forma significativa em meio ao colapso da FTX, com o banco sofrendo uma redução de 68% (US$ 8,1 bilhões) em janeiro.
Para conseguir atender a avalanche de saques, o banco precisou recorrer a empréstimos. Segundo o Decrypt, a Silvergate garantiu um empréstimo de US$ 4,3 bilhões do Federal Home Loan Bank e vendeu cerca de US$ 5,2 bilhões em títulos de dívida.
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