Quando você pensa em pagamentos eletrônicos, seja eles entre pessoas ou empresas, muito provavelmente as opções que surgem a sua mente são transações TED ou DOC e uso de cartões de crédito ou débito. Porém tais sistemas de pagamento estão evoluindo em um ritmo acelerado e na direção de um mundo mais interoperável, online e voltado para a experiência do usuário.
Novas tecnologias e modelos de negócios, em alguns anos, modificarão drasticamente o modo como transferências e compras diárias são realizadas. Uma das novas alternativas que vem ganhando destaque é o pagamento instantâneo, que deverá entrar em vigor em novembro deste ano sob regulação do Banco Central (BC), sendo que este abrirá a plataforma de testes ainda em fevereiro.
Tratam-se de transferências de recursos realizadas digital e eletrônicamente. De forma simplificada, as transferências de valores são feitas em tempo real. O que significa que o beneficiário terá em sua conta o valor transferido após alguns segundos.
Tal mudança nos meios de pagamentos são uma consequência dos sistemas de pagamentos atuais com suas altas taxas de cobrança, processamento lento de transações incompatíveis com a realidade da indústria bancária. Realidade impulsionada por consumidores cada vez mais mais preocupados com a rapidez, a conveniência e a acessibilidade dos serviços.
Qual o diferencial de um pagamento instantâneo?
Além de serem autorizadas e liquidadas em tempo real, as transferências ficam disponíveis aos usuários 24 horas por dia, 7 dias da semana, diferente do que ocorre com DOC e TED, que apenas podem ser feitos em horário comercial. Você irá precisar apenas de um aplicativo no celular e um QR Code para realizá-los. Outra característica de pagamentos instantâneos é a possibilidade da transferência ser feita independente de origem e destinos distintos.
Um dos pontos que mais chama atenção é o tempo de cada transação. Hoje é necessário aguardar de 5 a 30 minutos, enquanto que os pagamentos instantâneos vão reduzir esse tempo para até 10 segundos.
Como um pagamento real-time pode me ajudar?
O objetivo do projeto é justamente amenizar alguns dos principais problemas dos pagamentos tradicionais. O Banco Central identificou os três principais problemas podem ser sanados graças às novas tecnologias de pagamentos instantâneos:
1. Utilização elevada de dinheiro em espécie: O papel-moeda permanece o meio de pagamento mais utilizado no Brasil. Segundo pesquisa feita pelo Banco Central, 96,1% dos brasileiros dizem utilizar o dinheiro em espécie para realizar pagamentos, apesar de usarem outros meios. Sendo que 60% dizem preferir o papel-moeda para suas transações. Entretanto, seu uso vem gradualmente diminuindo.
Isso porque sua utilização gera custos desnecessários com a criação, logística e a destruição do numerário. Outros problemas decorrentes do dinheiro físico são facilitação da lavagem de dinheiro e sonegação de impostos.
Outra questão relevante é parcela desbancarizada da população brasileira. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva revela que o Brasil possui aproximadamente 45 milhões de desbancarizados, ou seja, pessoas que não movimentam a conta bancária há mais de seis meses ou optaram por não ter conta em banco.
Apesar desta parcela estar desvinculada de qualquer instituição financeira ela merece atenção, já que movimenta mais de R$ 800 bilhões anualmente. Isso torna os desbancarizados público-alvo de bancos digitais e fintechs.
2. Alto custo e dificuldade de transferências eletrônicas interbancárias: As principais formas de transferir dinheiro são conhecidas por TED (Transferência Eletrônica Disponível) e DOC (Documento de Ordem de Crédito), porém elas contam com algumas desvantagens.
No caso da TED há um limite de horário (até às 17h) para realizar transferência e apenas em dias úteis. Não existe cancelamento em caso de erro após envio, neste caso para receber estorno a pessoa dependerá da autorização de quem recebeu o dinheiro incorretamente. E uma das coisas que mais incomodam: sua tarifa cara.
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Já o DOC demora na compensação e apenas credita no próximo dia útil. Mas sua maior desvantagem talvez esteja no fato de exigir alguns dados (nome, CPF, banco, agência e conta) para a realização de transferências bancárias. Isso aumenta as chances de erros de identificação, ou seja, não é a melhor das User Experiences de pagamento.
3. Taxas elevadas para transações por cartões: Realizar uma operação com cartões de débito ou crédito implica problemas além de transferência e confirmação de dados, mas também em elevadas taxas por cada operação realizada, o que acaba gerando um custo operacional maior das lojas e fornecedores de serviços e preços ainda maiores ao consumidor.
Vale mencionar que pagamentos em tempo real não são uma solução apenas para esses três problemas, mas oferecem benefícios para diferentes players envolvidos:
Pagadores:
- Maior rapidez e segurança
- Menor custo
- Praticidade (uso de lista de contatos no celular ou de QR Code para iniciar pagamento)
- Possibilidade de integração com outros serviços do smartphone
Recebedores:
- disponibilização imediata dos recursos transferidos
- facilidade e rapidez de checkout (sem necessidade de POS)
- facilidade de conciliação de pagamentos
Para o ecossistema:
- Maior competição entre meios de pagamentos
- Estímulo à entrada de fintechs e big techs
- Maior potencial para inclusão financeira
- Digitalização dos meios de pagamento
O desenvolvimento da tecnologia foi responsável por quebrar várias barreiras físicas, tornando diferentes ações cada vez mais rápidas e imediatas. O setor financeiro vem tentando acompanhar essa evolução na mesma medida, mas precisa de soluções já que sofre com suas transações demoradas, burocráticas e com alto custo de manutenção.
Dessa forma, a implementação de pagamentos real-time surge como forma de alterar essa realidade, tornando o sistema mais ágil, otimizado e seguro. Além disso o ecossistema de pagamentos instantâneos tem potencial para aumentar a inclusão financeira, diminuir a circulação de dinheiro em espécie, aumentar a competitividade dos meios de pagamento e melhorar a experiência de cientes.
Se ele é tão vantajoso por que essa demora para a implementação no Brasil?
Mesmo sendo uma mudança necessária e vantajosa para os brasileiros, ela envolve toda uma infraestrutura de pagamentos que precisa ser organizada e centralizada, no caso no Brasil pelo Banco Central. A solução precisará passar por regularizações e fiscalizações e todos os players envolvidos deverão falar a mesma língua para que o novo sistema financeiro esteja de fato alinhado.
A chegada oficial ao Brasil ainda levará meses, mas isso não significa que as empresas não possam iniciar o processo de implantação do sistema de pagamentos instantâneos. Algumas na verdade já deram os primeiros passos. A Nubank, uma das maiores fintechs da América Latina, anunciou em 2019 o início de uma série de mudanças para adotar o sistema de pagamentos instantâneos. Tanto que para isso, a empresa está trabalhando junto ao Banco Central na criação da regulamentação de pagamentos em tempo real.
Sobre o autor
Texto escrito por David Ruiz e publicado originalmente no Medium do autor. Ruiz é CTO do Paraná Banco e especialista em inovação combinada com desenvolvimento de software e empreendedorismo.