O Bitcoin teve uma valorização de 94% em 2019. Mas esse não foi único motivo para otimismo. Para nós que acompanhamos de perto o desenvolvimento do protocolo e de seu ecossistema, o ano definitivamente não foi tedioso. E não estou falando apenas de implementações futuras do próprio Bitcoin, mas também dos importantes projetos que ganharam maturidade e adoção esse ano, tornando-se grandes apostas para 2020. Nesse texto eu falo de três. Aqui vão eles:
Bisq
Sempre que falam em exchange descentralizada (DEX), é bom ficar desconfiado. Não é raro nos depararmos com notícias de que supostas “DEX” baniram usuários de determinados países, por exemplo. Porém, se existe um projeto que merece esse status e tem, sem dúvida, lugar nessa lista, esse projeto é a Bisq. Trata-se de um software de código aberto (open-source) e peer-to-peer, como o Bitcoin (formado por uma rede distribuída de vários computadores, de ponto a ponto), em que você pode não apenas trocar Bitcoin por altcoins, como também por quaisquer moedas fiduciárias, desde que exista alguém disposto a realizar o negócio com você.
A Bisq não é uma empresa e, por isso, tem um elevado grau de resistência à censura ou à exigências de verificação de identidade. Os trades realizados na plataforma utilizam uma espécie de “contrato” com exigência de dupla assinatura (um escrow com multisig 2-2). Dessa forma, ambas as pontas do trade (o comprador e o vendedor) devem assinar e estar de acordo a transação para que ela de fato aconteça. Se a transação for de Bitcoin por fiat, os dólares, reais ou outra moeda fiduciária são transacionados fora do ambiente do software, a depender do combinado pelo vendedor/comprador.
Qualquer conflito/disputa na Bisq é resolvido em três etapas: a primeira envolve apenas um chat criptografado entre as partes, a segunda já envolve um mediador que tentará resolver encontrando um consenso (ele não tem nenhum poder além de sugerir para as partes como prosseguir) e a terceira parte envolve um “árbitro”, no caso de uma das partes não ter ficado feliz com o resultado da mediação.
A Bisq, é claro, não possui todas as características de uma exchange tradicional a ponto de ser uma ameaça para as mesmas. O match making das ordens não é automático, ou seja, quando você envia uma ordem de compra ela não vai automaticamente executar uma de venda de mesmo preço que está no book: um usuário precisa manualmente selecionar uma das ordens existentes e aceitá-la. Além disto a exchange não consegue reproduzir a mesma liquidez de uma exchange centralizada. Mas a Bisq é, com certeza, uma escolha superior para os que abraçam com maior entusiasmo a natureza peer-to-peer do Bitcoin e buscam maior privacidade e segurança.
BTCPay Server
Em 2017, quando estávamos passando pelas chamadas “Bitcoin Wars”, embate que dividiu os usuários na discussão sobre escalabilidade, Nicolas Dorier ficou extremamente irritado com uma postagem da então relevante gateway de pagamentos BitPay (alguém ainda ouve falar?) clamando seus usuários a atualizar seus softwares para compatibilidade com SegWit. O que irritou Dorier é que aquela atualização era, na verdade e sorrateiramente, referente ao SegWit2x. Então ele prometeu que tornaria a empresa obsoleta.
Foi então que nasceu o BTCPay Server, um dos projetos mais promissores de todo o ecossistema. Seu funcionamento mereceria um artigo à parte, mas, basicamente, trata-se de um projeto open-source para processamento de pagamentos voltado principalmente para empreendedores e comerciantes. No lugar do dono de um mercado ter que colocar um QR Code em uma plaquinha, e consultar o preço do Bitcoin para determinar a quantia a ser paga, o software cria um pedido de pagamento com um novo endereço a cada vez que um consumidor estiver realizando uma compra. Fazendo dessa forma, a privacidade e segurança do comerciante aumenta consideravelmente já que ele não faz o reuso de um mesmo endereço. Mesmo a conveniência é maior, pois a contabilidade já fica praticamente pronta.
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Qual a diferença exatamente entre BTCPay Server e um serviço como a BitPay? BTCPay é apenas um código executável, e não uma empresa. Qualquer um pode usar e estará fazendo uma transação direta de Bitcoin sem pagar taxas adicionais (além, é claro, das fees da própria Blockchain).
Ela não faz a conversão para fiat que essas empresas de processamento de pagamento geralmente fazem, mas esta conversão acarreta em custos adicionais que acabam tornando o sistema ineficiente.
Está nos planos dos desenvolvedores algum tipo de solução para conversões para fiat, já que os comerciantes ainda possuem custos em moeda fiduciária para arcar, mas isso será feito sem dúvida de forma a não envolver nenhum intermediário. Imagine-se por exemplo comprando alguns satoshis de um lojista que está carregado demais em Bitcoin e deseja diminuir um pouco essa exposição.
Wasabi
É uma wallet open-source de Bitcoin focada em privacidade. Com ela você pode enviar Bitcoin para qualquer lugar utilizando CoinJoin, um mecanismo que combina as moedas (UTXOs) de vários usuários criando uma transação com múltiplos inputs e múltiplos outputs, misturando-as no caminho, tornando muito difícil qualquer tipo de rastreio das transações e anonimizando-as.
Não é necessário confiar em ninguém para usar a Wasabi, já que é possível auditar todo o código e, apesar de o software ser o responsável por coordenar a “mistura”, ele não consegue distinguir que outputs correspondem a que inputs e ninguém além do usuário tem acesso às chaves privadas.
A prática de CoinJoin é importantíssima não apenas para privacidade de cada bitcoiner individualmente, mas também para toda a rede, já que a anonimização das transações garante uma maior fungibilidade entre as moedas. Explico: Se um bitcoin é desanonimizado e acaba entrando em alguma lista negra de UTXOs banidos, isso acaba criando “duas classes” de bitcoins e acabando com a equivalência de valor entre as unidades.
Quanto à importância da privacidade, essa diz respeito à resistência à censura que todos os bitcoiners buscam no ativo, além do simples desejo de não ter exposta publicamente toda sua vida financeira. Mas isso é assunto para outro texto.
Sobre o autor
Lucas de C. Ferreira é responsável por marketing, business strategy e community management na Ripio Brasil. Estuda o mercado de Bitcoin desde 2017 e é cofundador do site de curadoria e análises RadarBTC.