A República Centro-Africana anunciou no dia 27 de abril que o Bitcoin (BTC) passou a ser uma moeda de curso legal no país, sendo a segunda nação no mundo a fazer isso.
A iniciativa parece ser uma empreitada inteiramente de um homem só: o presidente Faustin Archange Touadera, que é um professor de matemática em uma universidade local e que continua dando aulas mesmo ocupando a chefia do Executivo.
Antes do anúncio, o fato mais noticiado da República Centro-Africana era a presença ostensiva de tropas paramilitares russas atuando para manter o presidente no posto – e enquanto fazem isso, são acusadas de cometer uma série de atrocidades como mortes e torturas.
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Poucas entidades civis tem alguma noção clara do que se passa no país. Uma delas é a Humans Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos) e seu diretor Lewis Mudge, responsável pelos relatórios de países da África Central.
Mudge passou os últimos dez anos dedicado a produzir análises sobre Direitos Humanos na África Central. Em conversa com o Portal do Bitcoin, ele revela que neste trabalho, chegou a levar tiros, foi sequestrado e ouviu em primeira mão relatos de massacres.
Wagner Group
No dia 3 de maio, o Observatório dos Direitos Humanos divulgou seu mais recente relatório sobre a República Centro-Africana, coordenado por Mudge, que é natural dos Estados Unidos. O documento é totalmente voltado para a apuração dos crimes cometidos pelas forças russas.
A República Centro-Africana e autoridades russas assinaram um acordo oficial para que o país europeu desse treinamentos para o exército local, um acordo que, na teoria, deveria ter terminado em março de 2018. Apesar disso, essas tropas russas não usam nenhum tipo de identificação e continuam no país.
A União Europeia e os Estados Unidos, bem como um painel de especialistas, já declararam que essas tropas russas são parte do Wagner Group, uma força de mercenários que acredita-se ser financiada por oligarcas russos e que responde ao presidente Vladimir Putin.
Três jornalistas russos que estavam fazendo um documentário sobre a presença do Wagner Group na República Centro-Africana foram mortos no país em julho de 2018, em circunstâncias altamente controversas.
As Nações Unidas disseram no dia 15 de abril que iriam investigar a morte de dez pessoas no nordestre da República Centro-Africana, com relatos iniciais que as forças russas estariam envolvidas.
Além disso, o Observatório dos Diritos Humanos entrevistou doze pessoas sobre um episódio ocorrido em 21 de julho de 2021: os paramilitares russos são acusados de terem matado 12 civis não armados nesse dia, na cidade de Bossangoa. Por fim, os russos também são acusados de prender e torturar civis inocentes e fazer bloqueios em estradas.
Uma conversa com Lewis Mudge
Essas e outras informações foram reveladas à reportagem em conversa com Lewis Mudge. Leia trechos da entrevista abaixo:
A comunidade internacional reconhece como legítima a eleição que colocou Faustin Archange Touadera na presidência?
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Sim, Touadéra é um presidente legitimamente eleito, com reconhecimento da comunidade internacional.
Você já conversou pessoalmente com o presidente? Qual sua impressão sobre ele?
Eu falei com ele quando estava concorrendo em 2016. Nossa relação com o governo é positiva e tentamos ajudar o governo publicando relatórios sobre direitos humanos e fazendo encontros com representantes do governo. Às vezes, eles de fato tentam atender aos problemas que relatamos. O governo não está muito feliz com nosso último relatório que fala sobre os abusos das forças russas, mas isso não nos impede de fazer nosso trabalho na República Centro-Africana.
Qual a explicação para a presença de tropas paramilitares russas no país?
É difícil dizer como está se manifestando para além do discurso oficial: oficialmente, os russos estão fazendo um treinamento lá.
Existem denúncias de que as tropas russas estão cometendo atos violentos contra civis. O que vocês tem observado?
Essa forças russas estão atacando população não armada e não seguem protocolos internacionais de não combate contra civis. Civis estão sendo presos de forma arbitrária e, em alguns casos, sendo torturados e chamados de rebeldes sem de o fato ser.
Essa milícia russa foi contratada para manter o presidente no poder?
Essa milícia russa está cumprindo um papel e está cometendo abusos no processo. É difícil dizer que eles foram contratados para manter Toudéra no poder. Ele é legítimo e tem ameaças reais contra sua vida.
De onde vem essa relação da Rússia com a República Centro-Africana?
Eles desenvolveram uma relação próxima entre 2016 e 2017. Além disso, já tinham uma relação desde os tempos de União Soviética, que tinha uma colaboração com países do sul da África.
Quantos grupos armados buscam tomar o poder pela força no país?
Os rebeldes se manifestam em diversos grupos, são 14 no momento. Eles ficam trocando de alianças entres eles e tem como objetivo de tomar a capital e dar um golpe de Estado. Um grupo chamado União Patriótica quase tomou a capital em dezembro de 2020, chegaram muito perto. Esses grupos são ativos e tem poder e habilidade para fazer movimentos militares.
O quão seguro o país está no momento? É possível o governo pensar em alguma coisa para além de evitar um golpe de Estado?
A capital é bastante segura agora. Além disso, o país é muito inseguro. Então, qualquer tentativa de resolver problemas sociais é secundário, atrás da questão de manutenção do poder. As estradas são absolutamente perigosas.
Mesmo dentro do contexto africano, de esse ser um continente ignorado pela comunidade internacional, a República Centro-Africana parece estar em outro patamar. O sentimento é de ser um país absolutamente esquecido pelos grandes centros. O que você acha que motiva isso?
Acho que há uma fadiga generalizada da comunidade internacional porque esse país tem nível gigantes de conflito, corrupção e nepotismo por muitos e muitos anos. Acho que muitos membros da comunidade internacional estão cansados desses ciclos perpétuos. Mas isso não pode ser desculpa para virar o rosto. Há um sentimento de que a paz é impossível no país. Eu discordo disso.
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