Retrospectiva cripto 1º trimestre de 2023: Bitcoin e sua alma de ornitorrinco

Especialistas comentam as múltiplas facetas do Bitcoin, futuro do Ethereum, tokenização, interoperabilidade e mais
moedas de bitcoin e ethereum sobre mesa envernizada

Shutterstock

Bitcoin

Não, isso não é um quadro contemporâneo de Mondrian. É melhor…. um Nic Carter ORIGINAL descrevendo as narrativas do Bitcoin ao longo dos anos.

Em seus mais de 14 anos de vida, a proposta de valor do Bitcoin já foi discutida algumas (milhares de) vezes.

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Já foi “uma rede de pagamentos barata e global”, inclusive sendo classificado como “Electronic Cash System” pelo próprio Satoshi.

Apesar de soluções de escalabilidade do Bitcoin estarem amadurecendo, como a Lightning Network, as altas taxas de transação, períodos longos para confirmação e volatilidade do ativo em relação às moedas nacionais se mostraram obstáculos difíceis de serem superados para adoção em massa do bitcoin como pagamento.

Por um breve momento, também foi até forma de “pagamento em mercados online ilícitos”. Quer dizer… até os criminosos descobrirem que usar um ativo digital com registros públicos, transparentes e rastreáveis não era a melhor forma de se manter fora do radar das autoridades.

Hoje, essa narrativa já perdeu espaço, com menos de 0,24% de toda a atividade com criptoativos sendo associadas às atividades ilícitas, segundo a Chainalysis.

Também já foi considerado como uma “rede descentralizada programável”, ou seja, um ambiente em que você consegue criar uma aplicação e ela vai ser executada indefinidamente por agentes descentralizados, evitando censuras de provedores tradicionais. Te faz lembrar de alguma coisa? SIM, É EXATAMENTE A PROPOSTA DO ETHEREUM.

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Apesar do Bitcoin estar novamente tentando inovar dentro dessa narrativa, com Rootstock, Taro, Ordinals e outros, os maximalistas que me perdoem, mas a atividade principal ainda está em redes que nasceram nativamente para possibilitar esse caso de uso, como Ethereum, Solana e Polygon.

Mais recentemente, é visto principalmente como um “ativo financeiro não correlacionado ao mercado tradicional”, ou seja, algo que se comporta radicalmente diferente de outros ativos do mercado de capitais e que pode otimizar um portfólio moderno.

Em estudo recente da GSR, encontramos uma melhoria do Sharpe Ratio (retorno ponderado pelo risco) quando se adiciona 2% de bitcoin a um portfólio americano tradicional de 60% em ações e 40% em títulos.

Por último, e talvez a característica mais importante nos últimos meses, Bitcoin é visto como (i) uma forma soberana de manter propriedade sobre seus ativos (ninguém tira à força de você, a não ser que você seja hackeado ou decida voluntariamente transferir) e; (ii) com uma política monetária definida e transparente, ou seja, você sabe exatamente quantos bitcoins existem em circulação e quais as regras/tetos para sua emissão.

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Por isso, muitos classificam como “reserva de valor emergente” e até como “ouro digital”, por ser digital, facilmente divisível, transportável e uma reserva de valor mais neutra que não depende do lastro/confiança em alguma nação específica.

Por que estamos falando de todas essas narrativas?

Para ser 100% sincero, não me recordo. Mas, foi um belo recap, não?

Se você não entendeu nada do que disse acima, só precisa se lembrar uma coisa: BITCOIN É UMA BARATA ATÔMICA. Sobrevive a guerras transnacionais, pandemias globais, ataques regulatórios e falências de grandes bancos americanos.

Não acredita? No relatório da Bitwise, temos a performance do Bitcoin nos últimos 3 meses comparado com alguns dos eventos mais estruturalmente nocivos que já ocorreram contra o segmento cripto:

Além disso, para a felicidade dos defensores da tese do Bitcoin como “ativo não correlacionado ao mercado tradicional”, o indicador, nesse primeiro trimestre de 2023, está ensaiando para retornar ao sonhado zero.

Eu vivi pra falar de estatística na newsletter de cripto: na área verde escura do gráfico (próximo do zero), podemos dizer que os ativos não se comportam de maneira semelhante, ou seja, para o ativo A não importa se o ativo B está valorizando ou em queda.

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Agora, quanto mais longe das regiões verdes (em direção ao 1 e -1), podemos dizer que a correlação é mais direta; por isso, quando um ativo se valoriza o outro se valoriza ou desvaloriza em magnitude parecida. Para os defensores da tese de que o Bitcoin é descorrelacionado, nada melhor do que o indicador dentro da faixa do verde escuro.

Se não me cortar violentamente, continuo falando de Bitcoin até acabar com o limite de caracteres… então, em uma tentativa fadada ao fracasso de exercer um mínimo autocontrole, me permitam só mais dois gráficos.

Na imagem acima, analisamos uma relação entre a desaceleração da subida de juros do Banco Central dos Estados Unidos e a valorização do Bitcoin no período.

É sempre perigoso apontar o dedo e falar “é por ISSO que o Bitcoin valorizou”, mas o racional econômico é o seguinte: quando os juros estão altos e com tendência de subir ainda mais, por qual motivo você vai correr o risco de ativos mais voláteis, se consegue ter um retorno razoável correndo apenas o risco dos Estados Unidos como nação?

Essa lógica gera um movimento de venda dos ativos de risco (ações, cripto, renda variável, fundos de investimento, etc) e uma compra desenfreada de títulos públicos federais.

Agora, com a queda das taxas de juros americana ou, pelo menos, uma desaceleração da tendência de crescimento, o movimento inverso começa a se formar; investidores voltam a alocar em ativos de risco, já que os títulos públicos vão progressivamente deixando de ser o melhor dos dois mundos (alto retorno com baixo risco).

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Na prática, vimos uma subida do Bitcoin de US$ 16,933 para US$ 23,340 quando a taxa de crescimento dos juros EUA finalmente caiu de 0,5% para 0,25% entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023.

E, pra fechar com meu último gráfico prometido, todo esse movimento macroeconômico que comentamos está coincidindo com a narrativa do halving no Bitcoin, também conhecido como “os super ciclos de valorização” do ativo que ocorrem em pernadas de 4 em 4 anos.

Atualização Dencun – o que está por vir na Ethereum? (por Rony Szuster)

Como de praxe na comunidade da Ethereum, mal acaba uma atualização e já ficamos ansiosos pela próxima – é a aplicação máxima do principal ditado do mercado: devs do something.

A Ethereum – um bebê com cerca de 7 anos de idade – já fez progressos incríveis, mas continua com seus desafios na jornada para se consolidar ainda mais como plataforma número 1 de aplicações descentralizadas.

Por isso, os times envolvidos no desenvolvimento do Ethereum se encontram diversas vezes por semana para discutir os próximos passos do roadmap do protocolo, bem como o que será ou não será implementado em cada atualização.

Na reunião da última quinta-feira (27/4), Tim Beiko e os outros pesos pesados por trás da rede discutiram o escopo da próxima atualização, o DENCUN – termo chique que se origina da mescla dos nomes escolhidos para a atualização na Camada de Execução (Cancun) e Camada de Consenso (Deneb) da rede.

Existem referências mais densas e técnicas, como esse resumo da Galaxy Digital e a própria reunião dos desenvolvedores do Ethereum, mas para os que desejam algo compreensível em português, aqui vai minha tentativa…

O Dencun fork tem como carro-chefe a famosa Ethereum Improvement Proposal (EIP) 4844, conhecida como Protodanksharding, que envolverá a criação de um novo tipo de transação na rede, destinada aos rollups [que já falamos algumas vezes na newsletter], para que eles possam auxiliar o Ethereum em seu objetivo de processar mais transações de forma rápida e barata.

No geral, esses rollups pretendem levar parte da carga computacional para fora do “Ethereum raiz” (camada um), processar o resultado esperado na camada dois (off-chain) e publicar uma prova desse resultado de volta no Ethereum, para que as pessoas possam confirmar e, até contestar, o resultado publicado.

Com a mudança da EIP-4844, os rollups vão poder publicar essa prova de um jeito muito mais barato, escalando cerca de 20 vezes sua capacidade quando comparado ao cenário atual.

A EIP-4844 é, de longe, a mais relevante dessa próxima atualização. Mas, também foram discutidas outras EIPs que provavelmente serão incluídas no escopo da mudança.

EIP-6780 -> Conhecida como ‘Deactivate SELFDESTRUCT’, visa alterar um OPCODE específico (Código de Operação da EVM – a operação mais básica dentro do Ethereum) conhecido como SELFDESTRUCT, cuja principal finalidade é desativar o uso de um contrato inteligente, enviando todos os ETH restantes do contrato para outro destino.

EIP-1153 -> Conhecida como ‘Transient Storage Opcodes’, que visa adicionar dois novos OPCODES à EVM, que funcionam de maneira similar a OPCODES existentes, mas são transitórios, ou seja, descartados após a transação ocorrer. Servem para ajudar em validações temporárias e, quando não são mais necessários, deixam de ocupar espaço no Ethereum.

EIP-6475 -> Conhecida como ‘SSZ Optional’, implementa um novo tipo de serialização que representa valores opcionais. Apesar do tecniquês, o ponto mais relevante é que essa mudança ajuda a tornar a EIP-4844 compatível com futuros updates da rede.

Algumas outras EIPs podem ainda ser incluídas no futuro, a ser decidido pelos desenvolvedores conforme o andamento das reuniões. Porém, eles já afirmaram que não veremos implementações das EIPs “Big EOF” e “EVMMAX” por serem complexas e demandarem mais tempo de desenvolvimento!

É isso, espero voltar em breve com mais entregas do Ethereum!

Lançamentos & Notícias

  1. Blur lançou um mecanismo de tomar empréstimos usando seu NFT como garantia. As primeiras coleções abarcadas foram dos Punks, Azukis e Miladys. Leitura leve aqui e outra aqui. Leitura mais pesada aqui e outra aqui.
  1. Franklin Templeton, gestora com mais de USD1.4 trilhões em ativos sob gestão, utiliza Polygon e Stellar para registrar propriedade de cotas em um de seus fundos. Mais um argumento a favor da redes distribuídas para maior eficiência e interoperabilidade nos mercados tradicionais? Leitura leve aqui e uma mais pesada aqui.
  1. Quando o projeto de stablecoin (Libra/Diem) do Facebook ruiu por forças regulatórias, tivemos 2 facções dissidentes de projetos: a APTOS – já lançada no mercado em 2022 e a SUI – que confirmou recentemente seu lançamento nessa quarta-feira (3/5) com um artefato histórico… UM ICO.
  1. A Layerzero, um dos principais projetos de interoperabilidade cripto, está envolvida em alguns rumores de que um airdrop de token está vindo… ainda não foram confirmados, mas pessoas mais ansiosas que eu já criaram até um dashboard para monitorar quantas interações seu endereço já teve com aplicações ligadas à Layerzero. Se tiver interesse, aqui tem um mapeamento com algumas dessas aplicações.
  1. Como a narrativa de que o mundo cripto vai ser multichain ganhando cada vez mais espaço, os projetos já nascem preocupados com sua estratégia de crescimento e compatibilidade com outras redes. Dentro desse contexto, a Circle decidiu criar seu próprio protocolo de interoperabilidade para a USDC, segunda maior stablecoin em dólar do mercado.

Sobre os autores

Lucas Pinsdorf é responsável por novos negócios no Mercado Bitcoin desde 2017, teve participação no lançamento dos primeiros ativos alternativos digitais brasileiros. No passado, participou de operação de gestão de ativos alternativos e trabalhou no Pinheiro Neto Advogados. Se formou em Direito pela USP.

Rony Szuster: Rony é Engenheiro Químico com pós-graduação em Engenharia de Software, imerso no mercado cripto desde 2019 e contribuidor do Messari Hub em 2021 e 2022. Atualmente integra a equipe de analistas de criptoativos do Mercado Bitcoin.