Embora o Bitcoin tenha sido a primeira modalidade de dinheiro digital a conseguir sucesso em seu funcionamento de mais larga escala, o tema e seus desdobramentos práticos foram alvo de pesquisa e comentários por diversos matemáticos, criptógrafos, cientistas da computação e até mesmo alguns economistas ao longo das últimas três décadas. Diante do salto tecnológico pelo qual sua criação e expansão foram responsáveis, muitos atribuem os créditos de seu desenvolvimento exclusivamente à enigmática figura de seu criador, o qual veio frequentemente a público entre os anos de 2008 e 2010 em fóruns virtuais ou listas de discussão via e-mail focados em tecnologia, sempre utilizando o pseudônimo japonês Satoshi Nakamoto. Até hoje sua origem e nome reais são desconhecidos, mas uma gama de desenvolvedores e pesquisadores que o precederam foram determinantes para gerar o conhecimento ou a motivação necessários, em diferentes momentos, a fim de que a busca por uma moeda inteiramente digital terminasse em sucesso.
Com artigos sobre o tema publicados desde o começo da década de 80, o criptógrafo norte-americano David Chaum destaca em seu seminal paper Untraceable Electronic Cash os principais pontos de falha dos sistemas de pagamento tradicionais, notadamente os cartões de crédito: o alto grau de confiança entre as partes requisitado para que tudo funcionasse conforme o esperado e o caráter invasivo dessa tecnologia, responsável por uma grande lacuna no quesito privacidade, uma vez que todos os dados de compras realizadas ficam armazenados num ponto central (os intermediários de pagamento) sujeito a ataques, espionagem e afins. Demonstrando crescentes preocupações da mesma natureza de Chaum, durante esse mesmo período, ganhou força um movimento articulado de forma inteiramente digital cujas discussões perduram até os dias de hoje: os cypherpunks.
Inicialmente, foi criado como uma lista de discussões via e-mail no fim da década de 80, voltada a compreender como as ferramentas oriundas da criptografia poderiam ser utilizadas para assegurar direitos humanos fundamentais, a exemplo de privacidade e liberdade de expressão. Em um contexto de alerta frente à crescente vigilância em massa, o grupo teve como membros de destaque de meados da década de 90 em diante outros cientistas da computação que, unidos por essa motivação comum de superar desafios sociais e políticos a partir da tecnologia, trouxeram grandes contribuições à ideia de moeda digital.
Em 1998, o cypherpunk Wei Dai lançou uma proposta teórica intitulada b-Money, artigo no qual descreve conceitualmente dois protocolos que permitiriam criar e manter de modo inteiramente descentralizado um dinheiro digital. Dai, inclusive, apontava que o primeiro protocolo descrito – por ser, segundo ele, inviável na prática – serviria de motivação teórica ao que é proposto em seguida.
No entanto, curiosamente, a ideia trazida por ele de uma rede na qual cada participante mantém uma cópia particular de uma base de dados digital em que consta quanto dinheiro em “conta” possuem os demais, definindo critérios matemáticos para a propriedade e a transação ao longo dos nós dessa rede, embora tenha sido tomada como impossível 11 anos antes, descreve com precisão o que o Bitcoin permite realizar de 2009 até hoje.
Os criptógrafos Hal Finney e Nick Szabo também trouxeram importantes contribuições nesse sentido. Em 2002, Finney propôs o método chamado Reusable Proofs of Work (RPOW) no qual tokens digitais poderiam ser utilizados como dinheiro quando fosse atribuída a eles a possibilidade de reutilização, no lugar de sistemas que anteriormente exigiam a criação o dispêndio de esforço computacional para a geração de um novo token sempre que se quisesse gerar uma transação financeira (o que inviabilizava o uso prático como dinheiro).
Mais adiante, em 2005, Szabo publica em seu site pessoal a descrição do que batizou Bit Gold, um sistema que combinava características de todas as proposições anteriormente citadas e somava a elas uma rigorosa estrutura de incentivos econômicos. Esse conjunto permitiria manter e transacionar unidades da “commodity digital” que ele chamou de bit gold. No entanto, apesar do rigor teórico da proposta de Szabo, esquemas científicos, código ou aplicações em formato de software não foram apresentados por ele, de modo que essas ideias, bem como as anteriores, vieram a se materializar apenas a partir do trabalho teórico e computacional de Satoshi Nakamoto, publicado majoritariamente nos anos de 2008 e 2009.
No dia 31 de Outubro de 2008 um indivíduo ou grupo de pessoas utilizando o pseudônimo Satoshi Nakamoto fez o primeiro comunicado sob esta alcunha do qual se tem notícia. Satoshi vinha a público via e-mail numa lista de discussão sobre criptografia para noticiar que estava trabalhando numa proposta de dinheiro digital chamada Bitcoin, alegadamente capaz de funcionar de forma descentralizada, possuindo plena autonomia em relação aos meios tradicionais. Colocando seu trabalho à disposição para o livre escrutínio dos demais membros daquele grupo, foram incluídos o link de acesso a um artigo técnico com a descrição completa de como funcionaria o sistema, incluindo alguns trechos de código, um sumário com as principais características da proposta e um resumo formal do que consta no artigo.
O paper, nomeado Bitcoin: a Peer-to-Peer Electronic Cash System, trazia referências diretas a predecessores como o b-Money de Wei Dai e o Hashcash de Adam Back; embora curiosamente não mencione o trabalho de Nick Szabo, mesmo guardando grande semelhança com os arranjos econômicos propostos anos antes pelo criador do Bit Gold. Satoshi foi objetivo ao declarar a motivação técnica que o inspirou e deu grande relevância ao Bitcoin, quando encerra o paper concluindo que havia proposto uma forma efetiva de realizar transações financeiras totalmente digitais entre duas partes sem que um intermediário fosse necessário para atribuir confiança ou segurança ao sistema, estando essas características integralmente difusas na rede descentralizada que constituiria o sistema.
O paper de Nakamoto foi recebido com opiniões diversas, atraindo o ceticismo de alguns, uma vez que propunha uma solução prática a um problema que perdurava por mais de 25 anos na Ciência da Computação, referente à eventual impossibilidade de se gerar e manter consenso em redes distribuídas, e que já havia sido alvo de muita especulação teórica sem grandes resultados práticos.
Pouco mais de 2 meses após a publicação do paper teórico e da repercussão subsequente na lista de discussões sobre criptografia, Satoshi Nakamoto disponibilizou no dia 3 de Janeiro de 2009 a primeira versão (v0.1) do software Bitcoin, bem como tornou aberto todo o código em cima do qual a aplicação é baseada. Isso permitiu a avaliação efetiva do sistema de Satoshi, por meio de testes práticos a partir de seu real funcionamento “ao vivo”; tendo atraído a atenção dos primeiros entusiastas, como o famoso programador e criptógrafo norte-americano Hal Finney.
Pela primeira vez em mais de duas décadas de pesquisas e proposições teóricas nesse campo, o conceito de moeda digital se concretizava, para além dos papers, em um conjunto de softwares que passaram a constituir um protocolo revolucionário para transferência e armazenamento de dados bem como manutenção descentralizada de consenso. De forma discreta, mas não menos revolucionária, Satoshi lançava as bases daquela que hoje é apontada como a maior inovação tecnológica desde o surgimento da própria internet.