Novo supercondutor divide cientistas entre euforia e ceticismo

De simulações feitas por supercomputadores a uma brincadeira na cozinha, as discussões tomaram conta da comunidade científica
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Foto: Shutterstock

Uma equipe de cientistas sul-coreanos liderada pelo físico Seok-bae Lee enviou ondas de choque à comunidade científica nesta semana ao anunciar a descoberta do primeiro supercondutor de temperatura ambiente. Mas o trabalho de pesquisa foi tanto elogiado quanto ridicularizado por uma comunidade científica ansiosa para testar suas descobertas de forma independente.

Em dois artigos de pré-impressão publicados no arXiv, Lee e seus colegas do Quantum Energy Research Institute apresentaram o LK-99, um material que eles dizem exibir supercondutividade em temperaturas de até 400K (127°C), superando em muito o recorde anterior de -135°C. Se validado, esse suposto avanço poderia permitir computadores quânticos, transmissão de energia sem perdas e tecnologias revolucionárias de armazenamento de eletricidade em baterias.

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O que é um supercondutor?

A temperatura de uma substância é uma medida da energia cinética das moléculas dentro dela. Um material quente significa que seus elétrons estão se movendo como loucos, enquanto o frio representa elétrons mais lentos e silenciosos. Um supercondutor permite que os elétrons fluam com resistência zero – gerando calor zero.

Quando uma substância é resfriada abaixo de sua temperatura crítica, os elétrons podem deslizar, como uma pessoa atravessando uma sala quase vazia onde apenas algumas pessoas praticam ioga. Em contraste, em temperaturas mais quentes, os elétrons do material colidem e se repelem, como pessoas tentando atravessar uma pista de dança lotada. Esta resistência significa a perda de potência ou energia.

Esses cientistas efetivamente alegaram ter desenvolvido uma maneira de tornar a passagem pela pista de dança lotada tão fácil quanto atravessar uma sala de ioga fria e vazia.

O que há de tão especial no LK-99?

Usando um novo método de reação em estado sólido resumido no artigo, os pesquisadores sintetizaram o LK-99 e testaram sua resistência elétrica. Essa resistência caiu drasticamente a 220°C, indicativo de supercondutividade. Eles também demonstraram a levitação magnética parcial, uma propriedade característica — chamada de “efeito Meissner” — dos supercondutores.

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Os céticos afirmam que a levitação magnética parcial ilustrada no artigo é apenas uma ilusão gerada por outro ímã que está fora do quadro da imagem, apontando para o fato de que o objeto não está levitando totalmente. Os pesquisadores dizem que a levitação parcial se deve a imperfeições no material LK-99, onde partes da substância estão em um estado supercondutor, enquanto outras não.

A levitação parcial mostrada por LK-99. Imagem: Sciencecast

Os escassos detalhes fornecidos sobre as condições experimentais são um ponto-chave de discórdia. Houve reivindicações anteriores de atingir a supercondutividade à temperatura ambiente que foram posteriormente desacreditadas. A revista Science relata que outros pesquisadores estão agora correndo para reproduzir independentemente o LK-99.

“Eles parecem verdadeiros amadores”, disse Michael Norman, um teórico do Argonne National Laboratory à revista Science. “Eles não sabem muito sobre supercondutividade e a forma como apresentaram alguns dos dados é duvidosa.”

Nadya Mason, física de matéria condensada da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, disse que “os dados parecem um pouco desleixados”.

Discussão e debate

O tópico manteve o Twitter da Science agitado, com muitos pesquisadores – e aspirantes a pesquisadores – compartilhando suas opiniões quentes.

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Um cientista – Sinéad M. Griffin, do Berkeley Labs – utilizou um supercomputador do Departamento de Energia dos Estados Unidos para executar simulações que um engenheiro disse que “apoiam o LK-99 como o santo graal da ciência de materiais moderna e da física aplicada”.

Enquanto isso, uma cientista russa que atende pelo nome de Iris Alexandra – descrita como uma “gatinha de anime” – documentou suas tentativas de reproduzir os resultados do artigo em sua cozinha.

A controvérsia também envolve as circunstâncias da publicação do jornal. O co-autor Hyun-Tak Kim, da universidade William & Mary, diz que um dos dois artigos pré-impressos foi publicado sem permissão e contém “muitas falhas“. Outros, como Alex Kaplan, da Universidade de Princeton, sugerem que os autores se concentraram em garantir um coautor proeminente para anexar ao trabalho, facilitando a publicação apressada.

A perspectiva de supercondutores à temperatura ambiente há muito cativa os cientistas por seu potencial revolucionário. Redes de energia sem perdas, trens mais rápidos, reatores de fusão compactos, eletrônicos hipereficientes e outros vôos da fantasia científica e tecnológica podem se tornar realidade.

Mas as reivindicações anteriores desmoronaram sob escrutínio, e a reprodutibilidade tem atormentado a pesquisa de supercondutores por anos.

Se o LK-99 resistir ao teste do tempo, pode inaugurar uma nova era de inovação. Por enquanto, os físicos estão prendendo a respiração em antecipação esperançosa, pois os resultados enfrentam uma prova de fogo julgada pela comunidade científica em geral. Pode levar semanas ou meses para separar a descoberta histórica do pensamento positivo.

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*Traduzido por Vini Barbosa com autorização do Decrypt