Contabilidade criativa
Alguns jornais estão repetindo sobre o lucro de R$ 500 bilhões gerado por Paulo Guedes no primeiro semestre de 2020.
O envio do suposto lucro do Banco Central para o caixa do Tesouro Nacional está sendo cogitado pelo Ministério da Economia, esta parte é verdade. No entanto, esta valorização é meramente contábil.
As reservas internacionais são de 320 bilhões de Dólares, portanto, qualquer depreciação da moeda brasileira reflete positivamente nesta conta. Saberemos os números definitivos somente no fechamento do semestre, por conta de operações em derivativos, os chamados swap cambiais.
Lei de 2019 falhou em conter tal distorção
A lei 13.820 de 2019 tentou acabar com essa distorção, porém deixou em aberto a possibilidade de utilização deste valor quando o Conselho Monetário achar que há necessidade. Ou seja, mais uma dessas leis engana trouxa pra fingir que não há uso político deste instrumento.
O Dólar iniciou o ano próximo dos R$ 4 e, no momento, encontra-se na casa dos R$ 5. Logo, certamente haverá um grande lucro contábil. Isto gera uma pressão do governo para tapar buracos causados pela reação exagerada à pandemia, sem julgar mérito.
Como podemos nos ferrar nesta?
Em algum momento, pode ser alguns anos adiante, vamos ter um semestre com efeito contrário, ou seja, a moeda brasileira se valorizando frente ao Dólar, mesmo que seja um ajuste técnico, assim como cedeu dos R$ 6 para os atuais R$ 5. Neste momento, teremos um prejuízo contábil e, dessa vez, o Tesouro não vai querer ficar com o troféu abacaxi.
Se decidirem captar esse lucro contábil agora, basicamente o Banco Central e Tesouro estarão apostando que o Dólar não volta pra baixo de R$ 5. Isto por si próprio já é um tiro no pé, pois tira o incentivo das intervenções do governo no câmbio para conter a alta do Dólar. O mercado vai sentir o cheiro de sangue, e não irá perdoar.
Dólar a R$ 8 é bom pro Brasil?
Olha, o governo pode até optar por vender toda a reserva líquida que restar, mas mesmo neste patamar não será suficiente pra cobrir a dívida líquida do setor público, que ultrapassa os R$ 3,8 trilhões. Ou seja, estaria vendendo o almoço pra pagar o jantar, e ainda assim continuaria devendo.
Sim, seria excelente o Dólar a R$ 8 para os exportadores, e consequentemente acarreta num aumento de impostos neste segmento. Em contrapartida, o impacto inflacionário seria devastador, sem contar que diversas indústrias e comércios dependem de importações.
Em suma, o governo caminha para um déficit recorde de R$ 600 bilhões nas contas públicas, e não é a valorização cambial que irá nos salvar.
Sobre o autor
Marcel Pechman atuou como trader por 18 anos nos bancos UBS, Deutsche e Safra. Desde maio de 2017, faz arbitragem e trading de criptomoedas.