“Parece-me mais uma moeda alternativa”. É dessa forma que o Bitcoin e outras criptomoedas são vistas por Roberto Teixeira da Costa, fundador da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que acaba lançar de seu livro “Valeu a Pena! Mercado de Capitais: Passado, presente e futuro”, pela FGV editora.
Além de narrar sua experiência de seis décadas no Mercado Financeiro, Costa dedicou uma parte da obra para falar sobre a tecnologia disruptiva. Ele foi o primeiro presidente da CVM em 1977 e participou da história de bancos como o Itaú e o finado Unibanco..
Em entrevista cedida por email ao Portal do Bitcoin, o homem que foi um dos precursores do mercado de capitais no Brasil e acompanhou de perto a sua consolidação disse que as “plataformas virtuais já estão tomando lugar dos bancos”. Ele também avaliou algumas questões com ceticismo e fez comentários sobre os desafios regulatórios. Confira a abaixo a entrevista completa:
Portal do Bitcoin — No seu livro, o senhor fala que “uma maioria que pensa da mesma maneira não implica que ela esteja certa” e deixa claro que o risco de sempre se concordar com alguém é o de ambos estarem errados. Quem estaria certo sobre os criptoativos tendo em vista que sequer sua natureza jurídica foi definida?
Roberto Teixeira da Costa – Existe uma citação em inglês que creio ser apropriada a sua colocação: “The majority is always wrong”, ou seja, a maioria está sempre errada. Já na grande dramaturgia, Nelson Rodrigues diria que somente os profetas enxergam o óbvio. Quanto à pergunta específica, diria que não existe certo ou errado. Somente o tempo poderá responder com maior certeza.
Qual é o seu ponto de vista sobre as ICOs (Initial Coin Offering)? Elas seriam a nova roupagem de uma IPO? No que elas se diferem?
Realmente não consigo ver os ICOs como uma nova roupagem dos IPOs. A experiência vivida nos conduz a refletir que os IPOs referiam-se a títulos de renda fixa e variável (debentures conversíveis e ações). A criptomoeda é um título ou um valor que substitui a moeda? Portanto, respondo sua pergunta com outra pergunta. Parece-me mais uma moeda alternativa.
“Melhor não se ter regulação do que uma regulação mal feita”. Essa frase tem sido repetida por inúmeros especialistas. Qual a saída para as criptomoedas?Concordo com a afirmação inicial. Melhor aguardar do que permitir uma regulação imperfeita que depois terá que ser reformulada. Creio que o importante é que sempre haja suficiente qualidade de informação disponível para que os adquirentes possam avaliar os riscos que estão assumindo. Transparência é essencial!
O senhor vê como oferta pública de valor mobiliário a venda de tokens fundados em criptoativos? Poderia ser isso considerado uma espécie de contrato de investimento coletivo?
No processo de mudanças que estamos vivendo, e que nos faz crer que continuará acontecendo com incrível velocidade, a maior dificuldade é separar o que é uma nova realidade ou um modismo. Em recente entrevista, Yuval Noah Harari (autor de Sapiens) em seu novo livro “21 lições para o Sec. XXI” comentou que o sistema monetário poderá ser completamente renovado pelas criptomoedas. Segundo ele, todos os modelos políticos herdados do século 20 deverão se tornar irrelevantes e terão que se adaptar às novas circunstâncias tecnológicas ou poderão desaparecer, e alerta para a importância da Inteligência Artificial. Difícil argumentar o contrário, mas não acontecerá com tanta rapidez.
Como o senhor analisa a chamada desintermediação no mercado financeiro após a chegada das “moedas criptografadas”?
De uma certa forma já estamos constatando isso. As corretoras independentes e plataformas virtuais já estão tomando o lugar de bancos na busca por educação financeira e investimentos pela internet.
O senhor fala sobre o insider trading em sua obra e quanto isso é prejudicial para o mercado. Como analisa empresas especializadas em análises que recomendam seus próprios produtos?
Realmente, insider trading é extremamente detrimental a um mercado eficiente. Quem compra e vende deve dispor da mesma informação. Quanto à análise de empresas especializadas, principalmente num mercado imaturo, opinando sobre o valor da moeda e dos juros em posições compradas e vendidas é extremamente sério. Não são opiniões isentas! No entanto, é difícil regulamentar. Temos que aprender que, não existem opiniões de mercado sem algum tipo de viés ou interesse!.
No passado, havia uma regulação precária na qual os IPOs privilegiavam insiders e existiam investidores desinformados quanto aos riscos. Isso tem semelhança, a seu ver, com o que temos de cenário de criptos atualmente no Brasil?
Vivemos situações de mercado totalmente diversas de 50 anos atrás e que redundaram na grande crise de 71 a 75, resultando na reforma da Lei das S.A. (Sociedades Anônimas – Lei 6.404/76), criação da CVM (Lei 6.385/76), institucionalização e abertura ao capital estrangeiro. Creio que os aplicadores de criptomoedas são bem diferentes dos que aplicavam em Bolsa de 1965 a 1972. Não tenho informação que o pequeno investidor esteja presente nesse mercado.
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