O universo das criptomoedas passa por uma transformação acelerada que está obrigando reguladores e investidores institucionais a abandonarem antigos preconceitos e a se adaptarem a uma nova realidade.
Durante um painel no Web Summit Rio 2025, o Chief Innovation Officer da OKX, Jason Lau, descreveu um cenário radicalmente diferente daquele visto apenas um ano atrás. De reguladores mais abertos à consolidação das stablecoins, o executivo apontou que a indústria está amadurecendo, tanto tecnicamente quanto na percepção global.
Segundo Lau, há uma mudança clara no ambiente político e institucional, com os Estados Unidos servindo como exemplo dessa nova fase. No país, os ETFs de cripto seguem em crescimento, superando até os de ouro em captação, enquanto a SEC recua em grande parte dos processos iniciados sob a gestão anterior. Além disso, Donald Trump tem adotado uma postura abertamente pró-cripto, emitindo ordens executivas favoráveis ao setor — incluindo a criação de uma reserva de Bitcoin para a maior economia do mundo.
Para Lau, isso prova que a criptoeconomia conquistou um espaço definitivo nas discussões ao redor do mundo. “Os reguladores estão percebendo que as criptomoedas estão aqui para ficar. Agora é preciso criar estruturas regulatórias para que as empresas possam operar — e para manter os maus atores fora do setor”, afirmou.
A própria OKX enfrentou dificuldades nos Estados Unidos após ser acusada de atender usuários locais por meio de uma entidade offshore. Em fevereiro deste ano, a corretora fez um acordo com o Departamento de Justiça dos EUA e concordou em pagar R$ 2,9 bilhões em multas. Dois meses depois, voltou a estabelecer uma operação no país, dessa vez sob o comando do CEO Roshan Robert.
“Nós reconhecemos as falhas nos EUA e pagamos uma multa. Agora, voltamos ao país. Isso só foi possível porque, nas conversas com os reguladores, garantimos que eles estivessem confortáveis com nosso modelo de negócios e com nossos programas de compliance e isso abriu as portas para nosso rápido retorno”, disse Lau. “Agora que viramos essa página e o ambiente nos EUA mudou, estamos animados com o que vem pela frente.”
E as mudanças regulatórias não se limitam aos Estados Unidos. Na Europa, o regime MiCA já estabelece regras claras para as empresas de criptomoedas, enquanto no Oriente Médio e em mercados como Singapura, Lau observa um avanço regulatório cada vez mais acelerado.
“E mesmo aqui no Brasil, há esforços para que a regulação seja implementada até o final do ano, o que é muito positivo. Nós inclusive fornecemos contribuições nas consultas públicas conduzidas pelo Banco Central. Então muita coisa mudou”, reconheceu o executivo.
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As tendências atuais do mercado cripto
Ao ser questionado sobre quais tendências têm maior potencial para impulsionar a próxima onda de crescimento do setor, Jason Lau destacou três frentes principais: a adoção institucional, o fortalecimento das stablecoins e a aplicação prática da inteligência artificial.
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“Bancos e instituições financeiras estão cada vez mais interessadas em se envolver com cripto. Há cerca de um mês, anunciamos uma parceria com o Standard Chartered para permitir que empresas façam custódia de criptoativos no banco, mas mantendo acesso aos seus ativos e podendo negociá-los com liquidez em nossa exchange. Acredito que essa é uma das áreas-chave que estão se desenvolvendo globalmente para trazer a próxima onda de instituições para esse mercado”, afirmou.
A evolução do mercado cripto inclusive resultou numa mudança de postura dos bancos tradicionais. Segundo ele, as dificuldades enfrentadas por exchanges para acessar o sistema bancário — especialmente para processar depósitos e saques fiduciários — começaram a diminuir no último ano, refletindo uma maior disposição institucional em colaborar com o ecossistema.
Lau também reforçou o papel central das stablecoins no processo de adoção. Embora não sejam uma novidade no setor, esses ativos atrelados a moedas fiduciárias atingiram um novo nível de maturidade e estão encontrando espaço real de uso — desde reserva de valor até meios de pagamento.
“Stablecoins como a Tether (USDT) estão aí há mais de uma década, mas hoje vemos um avanço muito maior na infraestrutura e na compreensão sobre o que elas possibilitam. Agora as pessoas sabem do que se trata, e já perguntam diretamente o que podem construir com isso”, disse.
A tendência chamou a atenção até mesmo de gigantes do setor financeiro tradicional, como o PayPal, e de empresas cripto-nativas, como a Ripple, que recentemente lançaram suas próprias stablecoins. Na OKX, esse movimento motivou o criação do OKXPay, uma plataforma de pagamentos com stablecoins e criptoativos, que vai permitir transações entre usuários e comerciantes — ainda não disponível no Brasil.
A inteligência artificial também não fica de fora quando o assunto são as tendências do mercado cripto. Embora a integração entre cripto e IA ainda esteja em estágios iniciais — tendo como exemplo mais visível a recente onda de memecoins associadas a agentes de IA —, Jason Lau acredita que o verdadeiro valor da tecnologia está em aplicações práticas, especialmente nas áreas de compliance, segurança e automação de negociações.
“A IA pode ajudar a detectar fraudes, garantir que não haja comportamentos suspeitos na plataforma e até permitir que os usuários automatizem operações com ferramentas como bots de trading”, exemplificou.
Mais adiante, Lau vislumbra um cenário em que agentes de IA possam operar de forma autônoma dentro de ecossistemas descentralizados: “Com a camada de confiança da blockchain, veremos a criação de economias digitais nativas onde agentes de IA terão capacidade econômica própria e atuarão tanto em nome de humanos quanto de forma independente. Ainda não estamos lá, mas é o caminho.”
Apesar de todos os avanços, o executivo acredita que o setor ainda precisa investir fortemente em educação e experiência do usuário, sobretudo para ampliar a base de adoção. Para ele, o futuro das criptomoedas tende a ser mais maduro, com produtos mais sofisticados, maior compreensão do público e uma relação mais estreita entre o mercado e o dia a dia das pessoas.
“Se olharmos para trás, são quase 16 anos desde o surgimento do Bitcoin. A trajetória tem sido de mais maturidade, mais sofisticação e maior entendimento sobre por que ter controle dos próprio dinheiro é importante. Mas ainda há muito trabalho a fazer”, concluiu.