Fazer filmes é um negócio caro. Mesmo os curtas que diretores aspirantes usam como cartões de visita podem custar dezenas de milhares de dólares.
Não é de admirar que é um desafio para aqueles que estão começando na indústria tirarem um projeto do papel e que as organizações que fornecem financiamento para cineastas recebam uma enxurrada de solicitações.
“Você precisa se mudar para Hollywood, você precisa obter representação, você precisa encontrar atores”, afirmou Mike Musante, cofundador da plataforma cripto de cinema Decentralized Pictures, ao Decrypt.
“Para encontrar atores, você precisa conhecer pessoas. Grande parte dos locais não aceitam inscrições não solicitadas, então fazer com que as pessoas pelo menos leiam seu projeto, por mais ótimo que seja, é extremamente difícil – de novo: a menos que você conheça pessoas ou tenha informações privilegiadas.”
Como vice-presidente de produção e aquisições na American Zoetrope, a empresa de produção, financiada por Francis Ford Coppola, diretor de “O Poderoso Chefão”, Musante está intimamente familiarizada com os obstáculos que a indústria apresenta ao caminho de emergentes cineastas.
O problema, explicou ele, é que a indústria cinematográfica é isolada e a tomada de decisões em Hollywood é muito centralizada.
Por estúdios e empresas de produção terem equipes de desenvolvimento muito pequenas, se veem “bebendo de uma mangueira” de ideias de possíveis cineastas e tomam uma abordagem avessa a riscos ao produzirem roteiros.
Derrubando as portas
É aí que entra a Decentralized Pictures. Cofundada por Musante e pelos produtores Roman Coppola e Leo Matchett (com um comitê que incluem as diretoras Sofia e Gia Coppola), visa solucionar o problema de obstáculos da indústria cinematográfica ao entregar o processo de escolha para uma comunidade de cineastas e usar criptomoedas para incentivar a participação.
Desenvolvida em uma versão “um pouco modificada” do blockchain Tezos, a plataforma da Decentralized Pictures convida cineastas a enviarem ideias de filmes, pagando uma taxa de envio no token nativo do projeto, FILMCredits (FILM).
O financiamento para recompensas será inicialmente pago pelo braço sem fins lucrativos da Decentralized Pictures, mas irá se expandir para incluir recompensas de outras organizações e até mesmo prêmios não financeiros, como competições de escrita, mentoria e representação.
A taxa de entrada em FILMCredits vai para um contrato autônomo que automaticamente paga membros da comunidade por resenharem os projetos enviados.
Os projetos mais votados se tornam finalistas, em que a Decentralized Pictures irá conceder as recompensas aos ganhadores.
Membros da comunidade podem ou comprar FILM no mercado aberto ou ganhá-los ao participarem na comunidade, realizando tarefas como responder questionários, resenhar outros projetos ou oferecer outras formas de assistência.
“Diferente do KickStarter, onde o cineasta pede dinheiro à comunidade para financiar seu projeto, na Decentralized Pictures, o cineasta está pagando outros membros da comunidade para que deem suas opiniões”, explicou Musante.
Ao incentivar a participação por meio da criptomoeda, acrescentou ele, “acreditamos que podemos obter enormes quantidades de dados de opinião que poderemos analisar e nos ajudar a tomar decisões sobre quais projetos financiar”.
Também visa fomentar um sentimento de comunidade entre cineastas, afirmou Musante ao explicar que, quando um projeto é enviado ao site, o criador também pode criar uma sala de chat para seu projeto.
“Consideramos isso como um lugar onde resenhistas podem ter discussões sobre esse projeto e dar seu feedback e isso pode ser uma conversa. Não é apenas o envio de uma resenha, mas também é um lugar onde o cineasta pode se conectar com outras pessoas da comunidade e talvez achar alguém para trabalhar.”
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Embora o cronograma inicial de prêmios venha da Decentralized Pictures, o plano é permitir que outros doadores criem prêmios de financiamento na plataforma.
“Se você é o Fundo Mundial para a Natureza e quer um documentário sobre uma espécie ameaçada para destacar esse problema crítico, você pode criar uma recompensa ou solicitação de inscrições”, explicou Matchett.
“Qualquer um que esteja interessado em contar essa história da comunidade pode enviar um vídeo selfie para [falar sobre] o porquê de serem a melhor pessoa para contar aquela história. Em seguida, a comunidade irá decidir quem é o artista que mais merece.”
O outro elemento fundamental é que a Decentralized Pictures não está oferecendo bonificações (exceto para “prêmios muito pequenos para ajudar cineastas ou estudantes de cinema iniciantes”).
Em vez disso, ganhadores dos prêmios têm uma opção de financiamento, conforme a Decentralized Pictures toma uma parte dos lucros.
Já que a Decentralized Pictures é uma empresa sem fins lucrativos, todos os lucros líquidos voltam para o fundo cinematográfico para financiar prêmios futuros.
“O que estamos tentando criar aqui é um fundo cinematográfico atemporal e autossustentável que possa apoiar artistas independentes e artistas de comunidades desassistidas e mal representadas no futuro”, explicou Musante.
Ele destacou planos de que uma “porção significativa” das recompensas esteja “exclusivamente disponível para cineastas de comunidades negras, indígenas, racializadas e da comunidade LGBTQ+”.
Desenvolvendo um estúdio virtual
Embora a Decentralized Pictures irá focar inicialmente no financiamento de filmes, possui maiores ambições de se tornar um “estúdio virtual”, usando blockchain para ajudar em cada etapa do processo de produção cinematográfica: elenco, locação, contratação de imagens vetoriais e, até mesmo, distribuição.
“Nossa visão é que esse estúdio virtual seja uma constelação de aplicativos que fornecem apoio a artistas independentes e artistas desassistidos” desenvolvido em um blockchain chamado Talent Network.
“Decentralized Pictures é apenas a primeira aplicação desse blockchain”, afirmou Musante.
“Estamos assumindo a posição que é um ecossistema de aplicações focados em arte e cultura”, afirmou Matchett. A dupla também está analisando alguns dos recursos do blockchain Tezos para futuras aplicações, como distribuição.
“Existem casos de uso realmente interessantes para contratos e transações protegidos na Tezos”, afirmou Matchett. “Se vamos entrar na distribuição e em outras etapas, nem todos os talentos ou produtores necessariamente querem que o mundo saiba quanto dinheiro estão ganhando com algo.”
A Decentralized Pictures também está de olho no metaverso (o mundo virtual contínuo e compartilhado que atraiu a atenção de todos, incluindo Facebook e Adidas).
“Estamos pensando em entrar em contato com empresas como a Decentraland”, afirmou matchett. “Criamos um modelo em 3D do antigo estúdio Zoetrope. As pessoas podem ter seus pequenos escritórios virtuais, ter reuniões virtuais, cafeterias e coisas do tipo.”
A Decentralized Pictures quer estar junto ao sistema existente de estúdios em vez de substituí-lo.
“Estamos desenvolvendo outra estrada”, afirmou Matchett. “Termina no mesmo lugar, mas não estaremos interferindo com a situação atual.”
Em vez disso, ele considera o papel da Decentralized Pictures como um “filtro” de qualidade de cineastas para empresas e estúdios de produção.
“As chances são, quando descobrirmos um grande cineasta, vamos acabar trabalhando para eles no futuro. Então, é um ganha-ganha para nós e para eles.”
*Traduzido e editado por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.