Mudanças aparentemente pequenas em políticas podem ter consequências inesperadas. Um exemplo é o derramamento de petróleo do navio Exxon Valdez em 1989, que fez estados responsabilizarem operadores de navios petroleiros por futuros derramamentos de petróleo.
Como resposta, pelo menos uma empresa petrolífera terceirizou o fornecimento de petróleo para navios independentes com registros questionáveis, aumentando, de forma paradoxal, a possibilidade de haver um desastre.
O mesmo pode acontecer com uma norma proposta feita nesta semana pela Comissão de Valores Mobiliários e de Câmbio dos EUA (ou SEC) em relação à negociação eletrônica de títulos do Tesouro Americano.
Uma alteração sugerida à definição de “negociante”, inserida em uma nota de rodapé, pode atrapalhar o setor de Finanças Descentralizadas, mesmo sem precisar mencionar algo sobre o setor.
Conforme explicado por Jake Chervinsky, líder da Blockchain Association, a norma, conforme proposta, “iria expandir a definição de ‘negociantes’ (ou corretores) regulados para incluir pessoas que ‘implementam estratégias passivas de formação de mercado’ que têm ‘o efeito de fornecer liquidez’ a outros”.
Essa não é exatamente a forma como o setor DeFi funciona?
“Finanças Descentralizadas” ou “DeFi” são termos utilizados para descrever aplicações em blockchain que permitem que pessoas evitem intermediários financeiros. Você pode emprestar ou tomar ativos emprestado sem precisar de um banco ou converter tokens sem um “broker”.
A atuação de um “broker” é diferente da atuação da Coinbase ou Binance, por exemplo, pois tomam custódia de ativos no nome dos usuários. No setor DeFi, você é responsável por seus ativos o tempo inteiro.
Protocolos de formação automatizada de mercado (ou AMM) até permitem que pessoas negociem um ativo em troca de outro que estiver listado em uma corretora, mesmo se não houver uma pessoa no outro lado daquela negociação específica. É possível converter Axie Infinity por Apecoin, mas ninguém com APE quer AXS.
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Mas para converter tokens de forma descentralizada em AMMs, é necessário que haja bastante liquidez (dinheiro disponível).
Protocolos DeFi incentivam pessoas a “bloquearem” seus tokens em “vaults” para que a corretora possa sacá-los temporariamente e facilitar trades, concedendo recompensas às pessoas na forma de ativos digitais.
A norma proposta pela SEC pode ser péssima para DeFi.
Gabriel Shapiro, conselheiro geral da Delphi Digital, tuitou: “a SEC irá argumentar que todos [os fornecedores de liquidez de formação automatizada de mercado] são negociantes não registrados. Seria como dizer que todos os mineradores de Bitcoin são [fornecedores de serviços com ativos virtuais] — caso [a norma] seja aprovada, pode destruir a tecnologia”.
Hester Peirce, representante da SEC, geralmente discorda de seus colegas sobre questões relacionadas a ativos digitais, também se preocupa, apesar de também não mencionar DeFi. Mais especificamente, ela questiona se a definição expandida pode fazer a liquidez sumir.
“Um conjunto mais variado de fornecedores de liquidez também beneficia a resiliência de mercado; quando um tipo de fornecedor de liquidez não estiver disposto a participar, outro precisará preencher a lacuna”, afirma Peirce.
“Um mercado em que todo o fornecimento de liquidez está concentrado em um punhado de grandes negociantes regulamentados no modelo tradicional — que a proposta parece favorecer — pode prejudicar a liquidez do mercado sem aumentar a resiliência de mercado.”
Além disso, embora o ímpeto de mudança pareça ser o de mitigar o risco que emana de fornecedores de liquidez superalavancados, ela afirma que não existe motivo para tanta preocupação: “Mercados são mais resilientes como um todo, pois empresas individuais sabem que podem fracassar e que, se fracassarem, ninguém estará lá para resgatá-las.”
Defensores da Web 3 não querem que as DeFi fracassem. É por isso que estão prestando tanta atenção às letras miúdas.
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.