Uma nova criptomoeda chinesa, a Chia (XCH), foi lançada em 3 de maio deste ano e se tornou o alvo principal dos holofotes da mídia técnica. Ela é a moeda principal da rede “Chia Network”, a qual já é considerada a maior blockchain do mundo por contagem de nós completos (full nodes).
A Chia Network foi criada por Bram Cohen, o mesmo indivíduo que criou o BitTorrent. Ela se difere das blockchains e criptomoedas precursoras por incorporar uma nova proposta tecnológica, que substitui a mineração pelo “farming”.
O problema energético das blockchains
O funcionamento de criptomoedas em blockchains sempre demanda uma solução de validação de blocos para o problema de gasto duplo (Double Spending). Na mais popular e tradicional delas, a Bitcoin, essa solução é denominada “Proof of Work”, e consiste na resolução de um problema matemático complexo. Nas fazendas de mineração, a unidade GPU ou chip com circuito integrado de aplicação específica (ASICs) que resolver o problema primeiro recebe toda a recompensa do bloco.
A questão é que isso acarreta um gasto de tempo e uma demanda de energia enormes. A rede Bitcoin já consome, sozinha, mais energia elétrica que toda a Argentina, e está na 27ª posição se comparada ao consumo elétrico mundial, por país.
A blockchain Ethereum sempre utilizou esse mesmo algoritmo, mas está passando por uma série de atualizações para aumentar sua eficiência. Ela migrará, em breve, para o algoritmo “Proof of Stake”, que exclui a necessidade de existir fazendas de mineração intensivas. Isso resultará em um gasto energético consideravelmente menor, próximo ao que a Chia já implementa.
Chia, uma blockchain ecologicamente correta?
Na mesma direção entra o projeto da Chia, autoproclamado “blockchain verde”, cujo whitepaper prometeu revolucionar o mercado de criptomoedas. De acordo com os criadores, ela une as vantagens do “modelo UTXO”, do Bitcoin, e do “modelo Solidity”, do Ethereum. Contudo, a rede utiliza o algoritmo “Proof of Space and Time” (“Prova de Espaço e Tempo”, em português).
O whitepaper informa que o novo método trará mais segurança, operando através de espaço livre em disco e um mecanismo envolvendo uma variável de tempo, para realizar a validação dos blocos, resultando em um gasto energético incomparavelmente menor. Adicionalmente, a CPU ficará livre para trabalhar em outras tarefas, enquanto o espaço livre no HD fica sendo usado para o “farming” de XCH.
Se a Chia entrará ou não para o top 10 das criptomoedas mundiais, só o tempo dirá. O que podemos dizer agora é que a proposta é, de fato, bastante inovadora. Ela vem ganhando “hype” na China, mesmo que o comércio oficial de criptomoedas esteja banido no país desde 2017.
Mineração de criptomoedas na China
A mineração de criptomoedas na China vem sofrendo extrema regulamentação federal, pois o país procura atingir o objetivo ecológico de neutralizar suas emissões de CO2 até 2060. Essas restrições levaram muitas empresas mineradoras a removerem totalmente suas atividades do território chinês, instalando-se em países com leis ambientais mais favoráveis à criptomineração.
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A expectativa é de que a regulamentação para mineração de Bitcoin ficará ainda mais exigente na China nos próximos anos. Diante desse cenário, a promessa de uma criptomoeda com mineração sustentável surgiu como uma alternativa promissora, dando esperança aos integrantes do setor.
Contudo, o novo método de mineração também traz problemas. Uma unidade de CPU, GPU ou ASICs pode ser usada por muitos anos para minerar Bitcoin, normalmente sendo substituída em face do surgimento de unidades mais eficientes. Mesmo assim, não se faz o descarte: as unidades são revendidas para outras utilizações. Contudo, o processo de mineração por unidades de disco requer muitas operações contínuas de gravação e leitura, o que pode encurtar muito a vida útil do equipamento. Há quem acredite que a unidade de disco só durará de dois a três meses, tendo que ser descartada e substituída.
O próprio governo chinês já expressou sua insatisfação diante desta situação. O relato oficial critica o desperdício de recursos físicos com a mineração de criptomoedas.
O impacto da Chia no mercado de HDs
Nem dois meses se passaram desde a publicação do whitepaper, e a expectativa ante o lançamento da nova criptomoeda foi tão grande, que os preços para unidades de armazenamento de alta performance disparam na China, desde o início de abril.
A procura por discos-rígidos (HDs) e solid-state drives (SSDs) subiu bruscamente. Várias lojas especializadas em produtos para mineração estão com cartazes expostos, anunciando “equipamento para minerar Chia”, e a maioria das lojas está com as unidades de disco esgotadas. Os clientes precisam fazer reserva e aguardar cerca de três dias para ter acesso ao produto.
De acordo com a Forkast, um HD Western Digital de 8TB, que custava 1.159 yuans, está custando 2.000 yuans na Seg Plaza e 2.699 no site Taobao. A alta média de preço foi de 172%. Esse aumento gerou reclamações de usuários de computadores para jogos e laboratórios de pesquisa científica – os quais já haviam sido muito impactados pelas ascensões do Bitcoin e Ethereum.
Conclusão
Caso a popularidade da criptomoeda continue crescendo em escala internacional, o fenômeno da demanda tecnológica poderá se espalhar pelo mundo todo. Isso colocará uma pressão enorme no mercado de HDs e SSDs, analogamente ao que aconteceu com o mercado de CPUs, GPUs e ASICs, na última década.
Ainda assim, o impacto ambiental positivo do método “Proof of Space & Time” poderá ser bastante importante, e, quem sabe, encaminhará as criptomoedas a um novo estágio de maturidade. Afinal, as criptomoedas estarão fadadas a sofrerem ainda mais resistência, caso não consigam entrar em sintonia com a apreensão global em torno da sustentabilidade e das crescentes emissões generalizadas de CO2.
Sobre o autor
Fares Alkudmani é formado em Administração pela Universidade Tishreen, na Síria, com MBA pela Edinburgh Business School, da Escócia. Naturalizado Brasileiro. É fundador da empresa Growth.Lat e do projeto Growth Token.