A verdade sobre “moedas” virtuais de Bancos Centrais

Autor questiona modelo chinês de vouchers controlados e potencialmente monitorados
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Foto: Shutterstock

O que vou dizer aqui nem pode ser descrito como teoria da conspiração porque todo mundo já fala abertamente. Nos próximos anos, praticamente todos os Bancos Centrais tentarão implantar suas próprias “moedas” virtuais. Em inglês, elas foram apelidadas de CBDCs (Central Bank Digital Currencies).

Os EUA se mostram ainda ambivalentes, mas parece que a Europa já está correndo atrás. Christine Lagarde, que hoje manda no Banco Central Europeu (BCE) mas até 2019 mandava Fundo Monetário Internacional (FMI), em uma entrevista recente já disse que em quatro anos o euro digital está pronto para circular.

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Todos estão olhando para o que o Partido Comunista Chinês anda fazendo. Aparentemente mais avançados que o Ocidente, eles já estão testando em algumas populações sua “moeda” digital emitida diretamente pelo Banco Central para os celulares chineses.

Mas por que a pressa dos governos para implantar uma tecnologia monetária como essa? Qual vantagem ela traz? Faço questão de dizer que este projeto é uma tecnologia monetária e não moeda propriamente por conta das características do protocolo que sustenta estes dispositivos.

No caso chinês, o governo deposita no app do celular um voucher digital para você gastar em alguma loja autorizada. Este app não só monitora todas as suas transações e informações — onde você está e o que consumiu — como cruza esses dados com o sistema de reconhecimento facial implantado pelo governo.

Assim, este voucher funciona como um crédito e também como dispositivo de monitoramento e condicionamento do comportamento da população. Caso alguma infração seja detectada, o uso do voucher pode ser suspenso a qualquer momento. Em certos casos, não é nem necessário ter cometido uma infração. O voucher pode vir embutido com um prazo de validade porque o governo decidiu incentivar o consumo mais rápido.

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Este tipo de tecnologia tem apenas algumas características monetárias. Funciona como meio de troca e unidade de conta em alguns estabelecimentos aprovados pelo governo, mas nunca poderá ser considerada uma moeda propriamente dita.

Ninguém em sã consciência usará este voucher como reserva de valor. Imagine depositar os frutos de seu trabalho — sua riqueza propriamente dita — em um voucher que pode desaparecer instantaneamente com uma ordem do governo?

Outro ponto é a própria maleabilidade e domínio sobre o protocolo. Seu uso como meio de troca pode mudar a qualquer momento. Um dia ele pode funcionar, no outro o governo pode suspender. O governo controla a rede e não você. Ninguém sabe quantos vouchers digitais existirão, é um protocolo totalmente opaco e centralizado.

Este tipo de tecnologia é completamente oposta ao Bitcoin, uma moeda forte e inconfiscável por excelência, como mostra claramente este artigo.

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Não podemos nem dizer que o governo está vendendo gato por lebre quando chama isso de “moeda”, porque o governo não vende, ele impõe este tipo de tecnologia.

“Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força.” é um dos três slogans do Partido Socialista Inglês da Oceania, país imaginado do George Orwell no famoso 1984.

No livro, o Partido busca alcançar o controle total sobre as pessoas e, mais importante, sobre suas mentes. Um dos principais programas mentais do Partido era o chamado duplo pensamento, ou duplipensar, isto é, o ato de aceitar simultaneamente duas crenças mutuamente contraditórias como corretas.

“Voucher virtuais de Bancos Centrais são moeda” é um outro bom exemplo deste duplo pensamento.

Sobre o autor

Guilherme Bandeira pesquisa e escreve sobre Bitcoin e sua regulação jurídica no Brasil. Foi tradutor do livro “O Padrão Bitcoin” para o português brasileiro e tem uma newsletter sobre o assunto na qual o artigo originalmente foi publicado.