A tecnologia blockchain é aplicada, primariamente, dentro do setor financeiro e em criptomoedas, como Bitcoin e Ethereum.
Nesse contexto, é recorrente o debate sobre a contribuição negativa dessa tecnologia em relação ao meio ambiente. Isso porque o Bitcoin, a primeira das criptomoedas a ser criada, funciona através de um algoritmo que demanda um elevado fornecimento de energia elétrica.
Segundo o site Digiconomist, o valor está na ordem de 204 TWh/ano, com uma consequente emissão de 97,14 Mt de CO2 e a liberação de 31,69 kt de lixo eletrônico, na forma de hardware obsoleto.
Apesar do quadro desfavorável do Bitcoin, a tecnologia que o torna possível — a blockchain — tem potencial para ser uma poderosa ferramenta na busca por sustentabilidade. Isso porque seu uso não se resume apenas à mineração de criptomoedas (que, inclusive, já não são mais criadas nos moldes do Bitcoin e nem demandam tanta energia).
A seguir, discutiremos como a aplicação de blockchains pode beneficiar os principais mecanismos de ativismo ambiental e empreendimentos de sustentabilidade.
Gestão de cadeias de suprimento e o veto do consumidor
A gestão de cadeias de suprimentos já é um dos setores que veem maior aplicação da tecnologia blockchain, depois do setor financeiro.
Os caminhos logísticos de indústrias de produção e consumo são segmentados, com administração desafiadoramente fragmentada. É difícil assegurar a eficiência, veracidade e transparência do rastreamento de artigos durante suas trajetórias, do produtor até o consumidor.
Ao utilizarmos blockchains, porém, variáveis humanas como erro, corrupção e omissão de dados podem ser eliminadas. A automatização de etapas e registros também diminui custos e aumenta a eficiência logística.
A prática coloca o poder da informação nas mãos dos consumidores. Ao comprarem produtos, eles podem verificar a origem, quais materiais foram usados na fabricação, se foram empregadas práticas antiéticas, como os produtores lidam com o meio-ambiente e com seus funcionários, etc., tudo isso com confiabilidade máxima.
Torna-se possível escanear um QR Code no supermercado e avaliar a veracidade de um selo de “legume 100% orgânico”, ou constatar instantaneamente que um atum deriva de práticas de pesca ilegal, por exemplo.
Outra possibilidade é a implementação de taxas de carbono. Esse sistema colocaria impostos mais altos sobre produtos cujas fabricações ocasionarem emissões mais altas de CO2. Isso se traduz em um incentivo direto tanto para a produção de artigos com responsabilidade ambiental, quanto para um consumo mais sustentável.
Reciclagem
Programas de reciclagem são, na maioria dos países, estabelecidos no nível municipal. Isso faz com que eles alcancem eficiências divergentes, e sequer sejam praticados por muitas cidades.
A reciclagem do lixo é indispensável à sustentabilidade. É necessário que eduquemos a população se quisermos ter um maior percentual de lixo reciclado, mas também precisamos implementar mecanismos de incentivo e recompensa. É aí que entram as blockchains.
Os usuários poderiam depositar vidro, plástico, etc, para reciclagem, em estações blockchain que pagassem com um token cripto, uma variação do que já acontece nos metrôs da Alemanha, por exemplo. Já existem alguns aplicativos realizando essa tarefa, como o “Social Plastic” e o “RecycleToCoin”.
Redes de distribuição de energia elétrica
Os dois principais problemas ambientais relacionados a sistemas de distribuição de energia elétrica são a superprodução e perdas. A utilização de um gerenciamento por blockchain traz disponibilização de dados em cada nó, transparência e automatização, podendo mitigar essas questões.
Esse mecanismo possibilita que a energia produzida em excesso, em um dado local, fosse transmitida diretamente para onde ela estivesse em falta, de forma dinâmica e em tempo real.
Também é possível coordenar a transmissão de produção elétrica local para o consumo local, o que diminuiria as perdas por transmissão ao longo de grandes distâncias. Isso será especialmente importante nas próximas décadas, na medida em que aumentam as contribuições elétricas fragmentadas das instalações domésticas de painéis fotovoltaicos.
ONGs
Organizações não governamentais, como Greenpeace e WWF, são extremamente importantes na nossa sociedade ao tomarem a dianteira em questões ambientais específicas. Indivíduos engajados e que contribuem financeiramente com elas, contudo, precisam lidar com a falta de transparência.
Sistemas de gerenciamento por blockchain dariam a garantia da destinação dos fundos para os doadores. A utilização de criptomoedas também facilita a distribuição de recursos quando o destino são países sem estrutura bancária, driblando-se a necessidade de redes complexas de intermediários financeiros.
Conclusão
Ferramentas em blockchain possuem um grande potencial para utilização em sistemas de gestão ambiental. Dentre eles, os maiores exemplos são cadeias de suprimentos, redes de distribuição de energia elétrica, redes de reciclagem e ONGs.
A estratégica está na coleta dinâmica de dados e posterior disponibilização dos mesmos, com transparência, para a alimentação de sistemas de gestão automatizados.
Isso aumentaria a eficiência e reduziria a complexidade, ocorrência de erros e corrupção nesses setores, podendo contribuir para uma redução considerável ou até mesmo para a reversão dos efeitos do aquecimento global.
Sobre o autor
Fares Alkudmani é formado em Administração pela Universidade Tishreen, na Síria, com MBA pela Edinburgh Business School, da Escócia. Naturalizado Brasileiro. Atua como Business Development Manager Brasil na Kucoin.