O bitcoiner argentino que atende pelo pseudônimo de Osvaldo “Beto” Mendeleiev publicou no Twitter, na primeira semana deste ano, uma investigação sobre a holding Generación ZOE para sustentar sua acusação de que tudo não passa de um enorme esquema Ponzi.
Desde o início do ano passado, a empresa capta dinheiro de milhares de argentinos garantindo um rendimento fixo de 7,5% ao mês sobre o valor aportado. Os ganhos viriam do trade de criptomoedas, forex e ações, além de uma série de outros negócios que fazem parte da Generación ZOE, de pet shop à pizzaria.
O esforço de Mendeleiev para reunir provas que demonstram indícios de pirâmide chegou à Comissão de Valores Mobiliários da Argentina (CVN), que, no dia 7 de janeiro, abriu um processo administrativo para investigar as empresas Generación ZOE e Universidad del Trading, e o cabeça de todas as operações: Leonardo Cositorto.
A ONG Bitcoin Argentina também entrou no confronto e enviou à Procuradoria Geral da República (PROCELAC) na quarta-feira (12) uma denúncia oficial contra a Generación ZOE pelos crimes de fraude, captação de investimento coletivo não autorizado e manipulação de mercado.
Toda essa atenção que a ZOE vem recebendo partiu da investigação de Mendeleiev. Em conversa com o Portal do Bitcoin, o bitcoiner contou porque tomou para si a responsabilidade de desmascarar a empresa.
“Começaram a me perguntar se eu conhecia esse Cositorto e a sua empresa Zoe (eu não os conhecia), mas bastou entrar no perfil dele para descobrir que personagem assombroso ele era e o golpe de mestre que estava aplicando.”
O bitcoiner passou a tuitar todo indício de fraude do empresário que encontrava, chamando a atenção de um número cada vez maior de pessoas nas redes sociais.
“Eu pensei, ‘por que não faço uma boa pesquisa coletando tudo o que encontrei?’. Demorei duas horas para fazer isso e então a investigação viralizou. É uma fraude gigante bem embaixo do nariz de todos nós”, avaliou.
Demascarando a Generación ZOE
O bitcoiner começou sua série de tuítes alertando que o esquema é bastante complexo e que para entendê-lo, é preciso prestar atenção aos detalhes e principalmente às contradições.
Por trás da Generación ZOE existem dois personagens principais: Leonardo Nelson Cositorto, o “mandachuva” e CEO das empresas do grupo; e Maximiliano Javier Batista, sua mão direita.
Mendeleiev foi capaz de rastrear o crédito dos sujeitos. Ele descobriu, por exemplo, que até o final de 2020, Cositorto apresentava um risco de crédito elevado e tinha uma dívida de longa data de 49 mil pesos argentinos (cerca de R$ 2,5 mil).
Ele conseguiu quitar as dívidas graças ao auxílio emergencial de alívio aos impactos da Covid-19, que solicitou do governo argentino em outubro daquele ano. “Começamos mal, um CEO que nem tinha plano de saúde e até pediu o IFE (auxílio) em 2020”, brincou Mendeleiev.
Depois de regularizar sua situação com os bancos, Cositorto e seu sócio fundaram sete empresas em 2021. Em março, eles abriram a Generación Zoe — a holding de todas as outras companhias do esquema —, a Universidad del Trading e Zoe Construcciones. Em novembro, foi a vez de criar a Zoe Burger e Zoe Pets, adicionando a Zoe Pizzas e Zoe Fitnes Gym em dezembro.
Como os próprios nomes sugerem, as operações da Zoe vão de escola de trading a pet shop e pizzaria.
De onde vem o dinheiro?
Independente das aventuras empresariais de Cositorto, o principal fator que levanta suspeita de golpe é a promessa da Generación ZOE de pagar um rendimento fixo de 7,5% ao mês a seus investidores. Para explicar de onde sai esse dinheiro, Mendeleiev divulgou um vídeo em que um representante da empresa tenta explicar como eles fazem para pagar os investidores.
“A companhia reúne o dinheiro de todos os seus investidores a nível mundial e o converte em negócios que permitem gerar dinheiro o tempo todo, totalmente sustentável ao longo do tempo. Esses negócios geram entre 25% e 35% e é daí que sai o 7,5% mensal para cada investidor”, explica o garoto propaganda.
Ele descreve que a receita vem da venda de cursos on-line, oficinas educacionais que o grupo promove na Argentina, Colômbia e Espanha, e do suposto trade em criptomoedas, forex e ações, feito através da Universidad del Trading.
O tamanho do golpe
O único documento aberto ao público disponível no site da Generación ZOE informa que os investidores podem aportar de US$ 500 a US$ 50 mil no negócio, descrito como um trust fund com prazo de permanência de três anos.
A retirada antecipada do dinheiro é possível após um ano e com uma multa de 50% do valor aportado.
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A reportagem perguntou se Mendeleiev saberia estimar quanto o empresário já lucrou com o suposto golpe. “Eu não saberia calcular. Eles estão em todo o país, muito mais pessoas estão envolvidas do que parece”, aponta.
Mesmo assim, ele arrisca uma estimativa conservadora: “Acreditando na metade do que eles estimam ter como membros e à taxa de mil dólares por pessoa, estamos falando de mais de US$ 50 milhões”.
Enquanto a equipe da Zoe garante que um retorno de 7,5% ao mês é totalmente possível através das suas estratégias, Mendeleiev contextualiza que um título do tesouro americano, por exemplo, rende 2% ao ano.
“Vamos adicionar um pouco de matemática ao assunto. Graças aos juros compostos, como mencionado no panfleto da Zoe Capital, se você deixar o capital remunerando e reinvestir os lucros, estamos falando de 138% ao ano em dólares. Um pouco demais sem qualquer risco, não?”, questionou.
Chama atenção, portanto, como um coach que estava afundado em dívidas até 2020, é capaz de entregar tanto lucro aos investidores. Os sinais de golpe continuam: no Natal e em outras datas especiais, a empresa oferece robôs de trade que, em apenas três meses, fazem o dinheiro do investidor render 100%.
As mentiras da Zoe
Para tentar dar legitimidade ao negócio pra lá de suspeito, em dezembro do ano passado Leonardo Cositorto mentiu que estava prestes a obter a licença dos reguladores para operar como agente legal na bolsa de valores da Argentina — informação que foi desmentida pela CVN.
O bitcoiner traz ainda uma série de evidências que levantam suspeitas sobre as atividades do empresário, como informações que não batem sobre o suposto lastro em ouro da sua moeda Zoe Cash. Já da sua construtora, Zoe Construcciones, Cositorto publicou um anúncio fraudulento no Clarín, um dos maiores jornais da Argentina.
Mendeleiev especula que a criação de tantas empresas de diferentes áreas formem a rede que o empresário supostamente usa para lavar o dinheiro sujo que desvia dos investidores.
Ele ainda mostrou como Cositorto apela para a forte propaganda para divulgar o seu esquema e construir uma “boa imagem” em torno de si. “Ele passou literalmente por todos os canais de TV e foi divulgado por vários personagens no rádio e na televisão. O pior é que lhe dão espaço para expandir o esquema de pirâmide em maior escala, pois se não encontrar novos clientes, quebra o base da pirâmide”, escreveu.
Como o Portal do Bitcoin já mostrou no passado, Cositorto é coach há mais de 20 anos e especialista em marketing multinível. Em setembro do ano passado, ganhou força as suspeitas da comunidade cripto argentina em torno do empresário quando foi lançada a Zoe Cash, a “criptomoeda dos coaches”, que a empresa alega — sem nunca ter comprovado — ser lastreada a ouro extraído da mina de Jujuy na Argentina.
Até a Binance foi arrastada nesta história. Em meio a atenção que a Zoe Capital está recebendo, a equipe argentina da corretora publicou na quinta-feira (13) um tuíte para esclarecer que não tem qualquer relação com a empresa.
Isso porque a Zoe estava usando o logotipo da exchange em seus materiais promocionais, simulando um tipo de associação com a exchange que não existe na realidade.
A defesa da ZOE
Bombardeado por críticas, Cositorto se defendeu na segunda-feira (17) em uma publicação no Twitter. O coach se diz “vítima de uma campanha de difamação”. “Não tivemos reclamações de nossos usuários e, pelo contrário, seguimos crescendo e já somos 85.000 pessoas em toda América Latina”, escreveu.
A luta pelo fim das empresas ZOE
Mendeleiev contou à reportagem que após sua série de tuítes, a CNV foi o único órgão do governo argentino que mostrou iniciativa de alertar investidores, mas que outras autoridades ainda não tomaram nenhuma providência. Aliás, ele acredita que só irão agir quando o estrago já estiver feito.
“Eu sei que as autoridades vão esperar isso explodir até chegar ao ponto que tenha muitas vítimas. Infelizmente a burocracia os impede de agir antes que prejudique as pessoas. Como todos os ponzis, mais cedo ou mais tarde eles não conseguirão mais pessoas para apoiar a pirâmide e tudo entrará em colapso”, disse.
Ele conta que por lá, de forma semelhante ao que acontece no Brasil, as investigações são demoradas e quando concluídas, muitos já perderam dinheiro com o esquema. “O Estado é lento para tudo, também é a Justiça, e às vezes, inútil. Cositorto tem causas para fraude, falência, evasão e lavagem de dinheiro há 25 anos, e continua como se nada tivesse acontecido”, revela.
Além de Mendeleiev, a ONG Bitcoin Argentina também está agindo para denunciar o aparente golpe da Generación ZOE. Na denúncia de 43 páginas, a organização de bitcoiners que existe desde 2013 afirma que a fraude está clara:
“Há elementos suficientes para que a justiça investigue e verifique se por meio de coaching coercitivo, treinamento educacional e finanças, aqueles por trás desse grupo empresarial cometeram uma fraude conhecida como esquema ponzi ou esquema de pirâmide”, afirma a ONG.
“Esse tipo de golpe que temos detectado nos últimos tempos produz um dano muito grande, não só a quem deposita seus fundos e confiança, mas também ao ecossistema em geral”, acrescenta o grupo que descreve como sua missão, promover o desenvolvimento saudável da indústria cripto para os argentinos.