Com o advento do Ethereum e a inovação dos contratos inteligentes, surgiram dois tipos principais de atividades na blockchain: ICOs (Initial Coin Offerings), similar a um IPO, e negociação de NFTs.
A febre inicial de atividade ocorreu em 2017, com o icônico Crypto Kitties, que possibilitou aos usuários trocar ETH por “gatinhos virtuais”, estressando os limites de atividade da rede Ethereum.
No ano seguinte, a inovação continuou com o surgimento da Uniswap, uma bolsa descentralizada de criptoativos. Ela rapidamente obteve uma posição de destaque no mercado de DeFi (Finanças Descentralizadas), negociando centenas de milhões de dólares diariamente, sendo hoje o protocolo dominante do seu segmento.
Este foi apenas o início da evolução dos aplicativos desenvolvidos em Ethereum, abrindo caminho para protocolos mais complexos.
Com o tempo, formas mais sofisticadas de negociação foram experimentadas. Isso levou a criação dos chamados contratos perpétuos em criptoativos. Originalmente, estes contratos foram idealizados em 1992 pelo vencedor do prêmio Nobel de economia, Robert J. Shiller. Ele propôs uma versão de contratos perpétuos conhecida como “Macro Securities”, que são essencialmente contratos ligados ao valor de um índice econômico nacional, como o PIB ou o desemprego, de modo que investidores pudessem fazer apostas de longo prazo sobre a economia de um país, sem uma data de expiração como nos tradicionais contratos futuros.
A primeira implementação de contratos perpétuos no mercado de criptoativos foi popularizada pela BitMEX (Bitcoin Mercantile Exchange), uma das primeiras corretoras a gerar tração e alta demanda por esses contratos. Posteriormente, outras exchanges importantes, como Binance e FTX, lideraram o mercado de contratos perpétuos no último ciclo, de 2020 até 2022.
A razão pela qual os contratos perpétuos surgiram principalmente em corretoras centralizadas e não em protocolos descentralizados está relacionada à escalabilidade e ao tempo de conclusão das transações.
Para criar um protocolo que permitisse a compra e venda de contratos perpétuos, todas as ordens precisariam ser registradas na blockchain. Isso poderia resultar em preços piores do que os pretendidos pelos agentes, devido a variação de preço no período entre a execução e o registro da ordem na blockchain.
Além disso, havia o problema dos oráculos, que desempenham o papel de fornecer informações sobre os preços dos ativos para a blockchain. Por conta da elevada alavancagem que os contratos perpétuos possibilitam, pequenas mudanças no preço do ativo podem resultar em alterações significativas nos retornos dos investidores. Isso torna essencial a precisão e a confiabilidade das informações de preços fornecidas pelos oráculos. A Chainlink dedicou-se a resolver esse problema, conseguindo colocar na blockchain informações sobre o preço de todos os ativos de forma rápida e descentralizada, permitindo que o ecossistema de perpétuos descentralizados pudesse florescer.
O DYDX foi o primeiro protocolo a obter sucesso com a negociação de contratos perpétuos em blockchain. Inicialmente, ela era um híbrido: uma corretora centralizada que operava em tecnologia blockchain. O grande avanço, entretanto, ocorreu em 2021, quando adotou a solução StarkEx da Starknet. Essa mudança foi um ponto crucial, permitindo que o protocolo escalasse de forma eficaz e alcançasse um volume de negociações significativo.
Durante o ano de 2021, a DYDX registrou um volume de transacionado superior a US$ 320 bilhões, tornando-se líder no setor de contratos perpétuos em blockchain. Para efeito de comparação, o maior protocolo de trocas spot, a Uniswap, movimentou mais de US$ 640 bilhões no mesmo período.
Uma característica fundamental da DYDX é que ela utiliza a estrutura de livro de ordem para suas transações e, diferentemente das corretoras centralizadas, o seu orderbook é totalmente transparente – já que ela opera em blockchain.
Outros protocolos passaram a criar novos mecanismos de fornecimento de liquidez e perceberam o problema da DYDX estar em uma blockchain própria: a falta de composabilidade com outros protocolos. Composabilidade é a capacidade do protocolo se conectar com outros projetos, o que acontece apenas quando se está em uma blockchain pública, ao invés de uma blockchain própria como DYDX.
O segundo protocolo inovador, inspirado na DYDX, mas querendo resolver o problema de composabilidade, foi a GMX. A GMX foi lançada na Arbitrum, famosa Layer 2 do ecossistema Ethereum, permitindo que o protocolo esteja na mesma rede de outros serviços financeiros e não em uma rede isolada, como a DYDX.
Porém, como não utilizava uma blockchain própria, a GMX teve que unir os conceitos da Uniswap e da DYDX. Inspirou-se na Uniswap no sentido de criar pools de liquidez por meio de AMM (automated market maker) com os ativos que seriam negociados pelos traders e inspirou-se na DYDX com a ideia de criar produtos de perpétuos que permitissem aos investidores alavancagem em até cinquenta vezes.
O terceiro protocolo relevante para contratos perpétuos foi a Synthetix, um famoso protocolo que originalmente permitia a negociação de ativos sintéticos, como S&P500 e petróleo na blockchain. No entanto, devido à falta de demanda dos traders deste produto, o protocolo passou por uma mudança em 2022 e se tornou uma plataforma de contratos perpétuos. Diferentemente da DYDX, que optou por sua própria Layer 2, e da GMX, que escolheu a Arbitrum, a Synthetix escolheu a Optimism como rede principal.
A inovação da Synthetix estava em seu mecanismo de fornecimento de liquidez. Ao invés de criar pools para cada ativo negociável na plataforma, a liquidez era fornecida por meio de uma dívida contraída com lastro no token SNX.
Os stakers colocavam suas SNX como colateral, obtendo uma dívida de 1 para 5, onde cada US$ 1 de alavancagem necessitava US$ 5 de SNX em stake. Desde o início de 2023, com a oficialização de sua segunda versão de contratos perpétuos, o protocolo já alcançou um volume de mais de US$ 36,5 bilhões e distribuiu mais de US$ 28 milhões em dividendos para os detentores do token SNX.
Enquanto o mercado de contratos perpétuos em blockchain continua a crescer, tendo alcançado um volume transacionado de mais de US$ 400 bilhões em 2023, novos protocolos estão surgindo para tentar conquistar essa fatia do mercado. No entanto, ainda é desafiador prever qual protocolo emergirá como líder, uma vez que os modelos de funcionamento diferem e apresentam trade-offs que estão sendo explorados e continuamente testados.
Sobre o autor
Bernardo Bonjean é empreendedor com extensa experiência na indústria financeira e fintechs, que começou a carreira em gestão de portfólio no Banco Pactual em 2002. Em 2008, integrou o time da XP investimentos como Head of Sales and Trading, período em que participou do curso OPM em Harvard e saiu para fundar a Avante. Durante a pandemia do Covid-19, Bernardo reviveu a paixão por cripto com a Metrix.
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