Pirataria é a denominação comum que damos para a violação de direitos autorais. Qualquer obra ou produto sobre o qual incorram direitos de propriedade intelectual precisa de autorização para ser utilizado ou vendido, sendo esta normalmente concedida pelo seu criador, editor ou empresa detentora. A prática de pirataria gera prejuízos tanto para os criadores, artistas e marcas, quanto para o Estado, que não consegue fazer a devida coleta de impostos.
O combate a essa atividade é, portanto, de grande interesse das empresas, artistas, produtores de conteúdo e de muitos governos nacionais. Recentemente, a tecnologia blockchain tem mostrado potencial para sua aplicação também nesse sentido. Veremos, a seguir, como esse assunto tem sido tratado, e como uma grande empresa — Microsoft — planeja fazer uso de uma ferramenta antipirataria baseada em blockchain.
A prática de pirataria
No século XX, as principais formas de pirataria equivaliam ao portfólio dos camelôs: imitações e falsificações de produtos físicos de marcas conhecidas e produtos musicais. Contudo, na era dos discos de vinil, a pirataria ainda não era reconhecida: conforme a legislação vigente, o direito do autor recaía apenas sobre a primeira venda. Quem comprasse um LP poderia utilizá-lo ou distribuí-lo como desejasse.
Com o avanço da revolução industrial digital, especialmente a partir do século XXI, vimos uma multiplicação exponencial das mídias digitais. Surgiram os CDs e DVDs, e a legislação de propriedade intelectual teve de ser atualizada já em 1998. O fenômeno digital afetou fortemente a indústria de entretenimento (músicas, filmes, arte) e uma indústria que acabara de surgir, a de desenvolvimento de software. As mídias digitais simplificaram processos, aumentaram os lucros e abriram novos caminhos e possibilidades.
‘Boom’ da pirataria
Simultaneamente, surgia a internet. Uma rede mundial de computadores, independente, sem leis, uma terra a ser explorada. Esse desbravamento rapidamente revelaria a maior utilidade da web: potencializar o compartilhamento de arquivos e informações em formato digital.
O cenário reunia todas as peças favoráveis a um “boom” da pirataria: qualquer pessoa com um computador poderia facilmente copiar arquivos digitais e compartilhá-los através da internet, uma zona com pouco ou nenhum policiamento. Logo se estabeleceu um forte mercado de pirataria mundial, bem como forças “rebeldes”, contrárias à posição privilegiada das grandes corporações e a favor do livre acesso ao conteúdo.
Nasciam sites como o PirateBay, e se popularizaram softwares como o BitTorrent. A partir daí, começamos a perceber o estabelecimento de leis e esforços internacionais de combate à pirataria e uma crescente regulamentação do espaço da internet.
Uso da Blockchain como ferramenta antipirataria
Em uma rede blockchain, registros são únicos e objetos são identificados através de códigos que não podem ser editados ou duplicados. Isso é garantido pela forma como os dados são armazenados em uma cadeia de blocos sequenciais — daí o nome “blockchain”.
Nessas cadeias, o próximo bloco de dados é sempre atrelado criptograficamente ao bloco anterior. Além disso, todos os computadores que compõem os nós da rede possuem uma cópia idêntica da sequência de blocos completa, disponível para acesso público. Essas propriedades fazem da blockchain a tecnologia mais robusta, atualmente, para garantir a segurança e a individualização de dados digitais.
Decorre daí um grande potencial para usos envolvendo registro e rastreamento de objetos e conteúdo quando deseja-se garantir que não serão feitas cópias ou modificações/adulterações. Dessa forma, blockchains já são largamente empregadas em sistemas de gestão de cadeias de suprimento e na emissão de NFTs (tokens não-fungíveis), por exemplo. É de se esperar que sejam aplicáveis, também, às iniciativas antipirataria.
Argus, o sistema antipirataria blockchain da Microsoft e do Grupo Alibaba
Um sistema antipirataria chamado Argus foi desenvolvido numa parceria entre a Microsoft, o grupo chinês Alibaba e universidades dos EUA e da China. A iniciativa foi divulgada através de um artigo publicado este mês. A parceria reúne dois gigantes: a Microsoft, um dos maiores alvos de pirataria mundial graças a seus dois principais produtos — o Windows e o Office — e a Alibaba, que reúne um extenso know-how e é uma das líderes mundiais em patentes de blockchain.
A ferramenta criada consiste num sistema de incentivo a campanhas antipirataria localizado na rede Ethereum. Ela estimulará as pessoas a denunciarem os mecanismos de distribuição e as cópias piratas em troca de uma recompensa, criando um banco de dados público e transparente.
Essa lista de registros permitirá o rastreamento das linhas de pirataria até as fontes, fazendo uso da transparência proporcionada pela blockchain. A falta de transparência já foi considerada o fator determinante da baixa eficácia de outras campanhas antipirataria, lançadas por outras empresas.
Apesar da garantia de transparência, o grupo refinou medidas de segurança e criptografia que atestam a segurança dos informantes, cujo anonimato ficará assegurado.
Projeto é economicamente viável
O artigo conclui que o projeto é economicamente viável, resultando em um baixo custo operacional na rede Ethereum. Além disso, os autores enfatizam que a metodologia criada por eles para o desenvolvimento da ferramenta Argus é ainda mais importante do que a ferramenta em si, devido à sua inovação e eficiência.
Coibir a pirataria não é tarefa fácil. Até hoje, esforços para combatê-la têm sido constantemente desafiados pelo surgimento de novos mecanismos de pirataria. Muitas outras empresas globais investem no segmento de defesa da propriedade intelectual, e têm interesse nos avanços que a tecnologia blockchain pode proporcionar ao setor.
É o caso da empresa indiana Mahindra, que pesquisa o uso de blockchains para a gestão de contratos. Caso o Projeto Argus seja realmente implementado e se mostre eficaz em uma blockchain pública como a Ethereum, isso poderá dar início a uma reviravolta radical na “guerra da pirataria” internacional.
Sobre o autor
Fares Alkudmani é formado em Administração pela Universidade Tishreen, na Síria, com MBA pela Edinburgh Business School, da Escócia. Naturalizado Brasileiro. É fundador da empresa Growth.Lat e do projeto Growth Token.