Imagem da matéria: A história do brasileiro que vai deixar a favela por causa do jogo Axie Infinity
Jonathan Alves Cordeiro, o FuryosoRJ. (Foto: Reprodução/Twitch.tv


O carioca Jonathan Alves Cordeiro, 29 anos, nasceu e cresceu na Cidade Alta, uma favela do Rio de Janeiro. No peito, sempre nutriu a vontade de sair de lá com a esposa e a filha pequena, mas o salário de R$ 1.300 não permitia. Na próxima semana, no entanto, o antigo desejo vai dar lugar à realidade e ele e a família vão enfim se mudar de lá: o destino é a Região dos Lagos, a cerca de 150 quilômetros da capital.

Essa mudança repentina na vida só foi possível por causa do game blockchain Axie Infinity – fenômeno mundial que na semana passada se tornou o primeiro jogo do Ethereum a atingir US$ 1 bilhão em vendas – e de suas lives diárias na Twitch.tv, onde tem mais de 17 mil seguidores. No mundo virtual, ele é conhecido pelo apelido de FuryosoRJ.

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A história toda começou entre o meses de maio e junho, quando FuryosoRJ foi demitido da transportadora onde trabalhava e conheceu o game por meio da sua sogra.

“Ela (sogra) estava fazendo faxina em uma casa e a dona de lá falou sobre o Axie e disse que era perfeito para mim, já que eu costumo jogar outras coisas por hobby há dois anos. Quando ouvi falar que tinha que fazer investimento para entrar, achei que era furada. Mas daí a moça me ligou, me explicou, comecei a pesquisar e fiquei fascinado. Aí decidi entrar, mas ainda faltava o dinheiro”, disse.

Para começar no game, a pessoa deve desembolsar entre R$ 6 mil e R$ 8 mil na compra de personagens, chamados ‘axies’. FuryosoRJ não tinha essa grana. Ele falou que até pensou em pegar empréstimo no banco, mas a instituição havia cortado o cheque especial dele.

“Eu recorri então ao meu pai. Peguei R$ 5 mil emprestado com ele. Ele falou ‘cara, você precisa me devolver isso logo, porque o dinheiro é para uma casa’. Como fui mandado embora do meu antigo trabalho, usei também um pouco do dinheiro da rescisão na compra”.

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O plano era o seguinte, disse o FuryosoRJ: se o game e as lives não dessem certo, ele começaria a trabalhar como uber; outra opção seria fazer um curso de cabeleireiro, aprender os cortes famosos do Rio – como o do Jaca – e tentar se mudar para o interior para oferecer o serviço. A aposta no Axie Infinity, no entanto, deu mais do que certo.

FuryosoRJ disse que pagou seu ‘velho’ poucos dias depois de iniciar no game, pois conseguiu vender o axie pelo triplo do valor, além de adquirir outros. Só no mês passado, ele falou que faturou 10 vezes mais do que o valor que recebia no antigo emprego – e é isso que lhe dá condições de se mudar para outro local. Hoje, ele tem 22 axies. Em junho, ele também foi convidado para fazer parte do NFT Games.BR, uma organização descentralizada de jogadores de Axie Infinity, o que deu um ‘up’ a mais nos ganhos.

É possível faturar uma grana no game porque ele funciona no modelo play-to-earn — jogue para ganhar —, e permite que os participantes lutem no mundo virtual e recebam recompensas a cada vitória ou missão concluída. Essa recompensa é dada em forma de Smooth Love Potion (SLP), uma criptomoeda que neste domingo (15) vale cerca de R$ 1, segundo o CoinGecko.

“Mas apesar de ser grato ao Axie Infnity, eu gosto de deixar claro que o jogo é apenas uma ferramenta que uso, mas não é ele que ‘me faz’. O fato é que você é foda, é você que ganha dinheiro com o game, mas amanhã pode ser outro jogo. O negócio é você entender como tudo funciona. Eu me considero um produtor de conteúdo e o meu foco principal são minhas lives”, falou FuryosoRJ.

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Trabalho duro

Ele leva as lives muito a sério. De segunda a segunda, por volta das 16h, ele vai para um pequeno quarto de 2,5 metros por 2 metros, onde sua filha costumava dormir, liga o computador e fica ao vivo na Twitch.tv por 10, 11 e até 12 horas. Na janela do cômodo, deixa pendurado um ar-condicionado que comprou por R$ 150 para aguentar o calor do Rio de Janeiro. “Mas é só enfeite, pois o aparelho funcionou apenas um mês e quebrou.”

Ele só costuma sair da live por dois motivos: ou para comer arroz integral, feijão, frango e ovo, uma dieta especial recomendada pelo médico por causa de seu colesterol, que subiu depois que ele iniciou um tratamento de saúde; ou por causa da queda da internet, situação que já virou uma de suas marcas registradas.

“Uso a Mega Flash, que é uma internet privada de 15 mb aqui da comunidade; custa R$ 65 por mês, mas de vez em quando o sinal cai”.

As lives, assim como o Axie, também rendem uma boa grana, contou FuryosoRJ. Na semana passada, por exemplo, rolou um desafio: se ele atraísse 700 subscrições, teria que pintar o cabelo de rosa. Ele conseguiu 720 em três dias e cumpriu a promessa. Conforme a regra da plataforma, cada novo usuário que ele atraiu gerou R$ 7,90, sendo metade para a Twitch.tv e metade para o streamer.

“Agora preciso ficar um mês com o cabelo assim. Toda vez que tomo banho sai rosa pra caramba. Mas valeu a pena”, disse, rindo.

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Um novo modelo

O fenômeno play-to-earn de jogos como o Axie Infinity, segundo João Kamradt, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor da Faculdade Ielusc, veio para ficar. Além disso, falou, é um modelo que se apresenta como uma alternativa a mais para aqueles que não teriam outra oportunidade para aumentar a renda.

“A gente vive em um país com cerca de 14 milhões de desempregados, então pessoas que eventualmente não têm uma qualificação para um trabalho melhor vão buscar uma chance mais adequada de trabalho, e muita gente encontra isso no Axie ou outras plataformas do tipo”.

Para Kamradt, que estuda o fenômeno do game e montou inclusive uma escolinha (modelo de negócio que aluga axies para outras pessoas) para a sogra dele, essas novas formas de jogar e trabalhar também fornecem um aprendizado enorme para as pessoas, bem como ajudam a popularizar o mercado de criptomoedas.

“O jogador, que muitas vezes nunca teve contato com Bitcoin (BTC) e altcoins, tem que descobrir como utilizar a rede do Ethereum (ETH), como enviar ETH para uma carteira pessoal privada, como mandar esse dinheiro para uma carteira de segunda camada que é a Ronin e como usar as criptos para fazer compras dentro de um marketplace. Olha o que o cara é obrigado a aprender rapidamente para poder se mexer dentro do jogo. Tem um aprendizado gigantesco nisso”.

O game, no entanto, também tem riscos, lembrou Kamradt:

“Há dois lados bem claros nesse momento: existe a possibilidade de lucro enorme para pessoas que estavam eventualmente desempregadas ou ganhavam muito pouco, mas do outro lado também tem o ponto que esse tipo de jogo é ainda instável e tem uma variação muito grande. Por isso, temos aquele ditado de nunca entrar em algo arriscado com o dinheiro do pão, mas apenas com o dinheiro da pinga, que não é usado no dia a dia”.

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