Nos últimos dias vêm ocorrendo dois fenômenos paralelos: o Bitcoin vem ganhando força, aumentando seu valor; ao mesmo tempo, o Real se fortalece frente ao Dólar como a muito tempo não se via. A pergunta é como esses dois fatores podem afetar o mercado brasileiro de criptomoedas.
O Real vive um momento de euforia. Foi a moeda que mais se fortaleceu diante do dólar no ano de 2022 em todo o mundo e nesta sexta-feira chegou a menor cotação em dois anos: R$ 4,76.
Olhando do outro lado do espectro: o dólar caiu 13% em em relação ao Real desde o começo do ano.
O Bitcoin (BTC) é cotado no momento da redação desta reportagem a US$ 44.358 e tem uma alta de 8,2% no acumulado de sete dias.
Por um lado está mais barato comprar bitcoins para os brasileiros. Por outro, as reservas que já existiam em BTC tem um menor poder de compra, pois a unidade de medida do mercado é o dólar.
Alta do Real explicada
Antes do efeito dos fatores no mercado de criptomoedas. é importante buscar entender o que tem feito o Real ganhar força. Jennie Li, estrategista de ações da XP Investimentos, explica em entrevista ao Portal do Bitcoin que se trata de uma combinação de fatores que faz com que o Brasil esteja em uma posição favorável e que o investidor estrangeiro veja o país com bons olhos.
“Há uma rotação global de ações de crescimento para ações de valor. Crescimento é tecnologia, tudo que ainda tem muito para crescer. Valor é tudo que esta mais estável e sólido. E nesse segundo caso, é o tipo de empresa que o Brasil tem muito e que o investidor estrangeiro está buscando. Basicamente bancos e empresas de commodities. Quase 70% do Índice Bovespa é de empresas ligadas a bancos e commodities”, afirma Li.
A executiva aponta que além disso, os investimentos do mercado internacional que estavam na Rússia deixaram o país por conta da guerra com a Ucrânia e que o Brasil é um dos novos destinos desse dinheiro. Mesmo com a turbulenta vida política interna, o país é mais estável que muitos de seus pares.
“O Brasil tem muita commoditie, no que é parecido com a Rússia nesse sentido, e é um mercado líquido e relativamente robusto. O Brasil se mostra como uma opção relativamente boa para investidores globais e tem a raxa de juros: estamos subindo a Selic para 12%. Então a gente continua como um mercado bastante atrativo”,afirma.
O fluxo de capital estrangeiro no acumulado do ano já chegou a 80 bilhões de reais, contra 100 bilhões em todo 2021, ressalta Li.
Bom ponto de entrada
Um ponto imediato é que ficou mais acessível ao brasileiro comprar bitcoin. “A valorização do real deixa as criptomoedas um pouco mais baratas para os brasileiros, se comparado às mesmas criptomoedas no par em dólar. Portanto, a curto prazo, investidores enxergam como uma boa oportunidade de investimento e, a médio e longo prazo, a realização de lucro no binômio da recuperação do dólar e valorização das criptomoedas”, afirma André Hamada, COO da BitPreço.
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O consultor Bruno Diniz, fundador da Spiralem, concorda os brasileiros estão “em um bom ponto de entrada”.
Pouco impacto no longo prazo
Mas, para além do momento, Diniz propõe um cenário de longo prazo no qual mais países passam a reavaliar a dependência desta moeda (pelo ponto de vista de sua manutenção como reserva).
“O par dólar/bitcoin continua sendo o mais relevante e o padrão do mercado atualmente, mas talvez estejamos presenciando o início do sonho dos defensores mais fervorosos do Bitcoin, no qual, no futuro, não será preciso trocar seu bitcoin por “milhões de dólares”, visto que sua relevância (e possibilidade de utilização no dia a dia) deverá ultrapassar essa referência ainda utilizada pela sociedade atual (que coloca o dólar como ativo dominante em transações realizadas globalmente)”, afirma Diniz.
Essa visão de que a variação cambial real e dólar importa pouco no longo prazo é compartilhada por André Franco, head de research do Mercado Bitcoin.
“Eu percebo que essa variação entre dólar e real vai te afetando na compra do Bitcoin conforme você olha para a tela com os gráficos. Mas quando você olha em um longo prazo essa diferença pouco importa. Essa sensação de que se está perdendo um pouco por conta da valorização do real é porque o mercado está lateralizado há um tempo. Mas quando a gente olha para o histórico do Bitcoin isso não faz tanta diferença. Se o dólar variasse dois dígitos já seria muito, enquanto o Bitcoin valorizou no composto mais de 100%”, afirma Franco.
Felipe Vallejo, chefe do departamento de regulação da Bitso, entende que mais importante é que, independente da questão da flutuação, que seria algo inerente ao mercado, as criptomoedas e os criptoativos de forma geral passaram a ser vistos não apenas como investimento, mas como uma reserva valor importante.
“Reserva contra a escalada da inflação, como forma de pagamentos e proteção do patrimônio em tempos de incertezas. E as pessoas estão cada vez entendendo melhor o benefício desse mercado no seu dia a dia e diversificando seus criptoativos de acordo com seus objetivos de curto, médio e longo prazos. Por isso, para nós na Bitso é fundamental ajudar na educação das pessoas, que cada vez mais pessoas conheçam o mercado cripto, entendam os riscos, oportunidades e desafios e vejam esse mundo como uma alternativa a curto, meio e longo prazo”, afirma Vallejo.
Importância de dolarizar
O analista Marcel Pechman ressalta que quem analisa preços e patrimônio em Reais, deve buscar dolarizar seus ativos, e se possível, renda.
“Isso independente do dólar estar em R$ 4,60 ou R$ 5,70, pois a incerteza aqui não é só econômica. Uma troca de governo, e mudam as regras, quem sabe até limitando a compra de divisa estrangeira, como fez a Argentina. Por isso, não se deve pensar que você está protegido pois comprou ações de empresas listadas nos EUA. Se o objetivo é proteção, você precisa de ativos inconfiscáveis, cotados em moeda forte. Nada impede brasileiros de ter imóveis e ações de empresa diretamente em instituições estrangeiras, ou de comprar Bitcoin, stablecoins”, diz Pechman.