As redes blockchain Bitcoin e Ethereum utilizam, atualmente, o algoritmo de PoW (Prova de Trabalho) para fazer a validação de blocos.
Há uma grande pressão midiática e dos governos internacionais em resposta ao alto consumo de energia elétrica e impacto ambiental causado pelas criptomoedas utilizando PoW, reforçando-se a necessidade de mudanças. Sozinha, a rede Bitcoin consome, por ano, mais energia que metade do Reino Unido.
Existem outros mecanismos de validação mais eficientes energeticamente, como o PoS (Prova de Participação). Mas por que o Bitcoin não passa a utilizar outro método de validação, assim como outras blockchains já o fazem? A seguir, vamos entender melhor os fatores por trás disso.
O PoS (Prova de Participação) na Ethereum e outras blockchains
O gasto energético por transação na Ethereum é de 84 kWh, apenas 7,5% do gasto na rede Bitcoin (1135 kWh). O maior consumo energético para o Bitcoin se deve, em parte, ao grande número de nós da rede, pois cada bloco é validado paralelamente em cada computador (nó validador) durante o processo de mineração.
Contudo, a rede Ethereum está em processo de atualização gradual desde dezembro de 2020. A Ethereum 2.0 terá um novo modelo de validação chamado PoS (Prova de Participação). A previsão é de que essa mudança seja concluída no segundo trimestre de 2022.
Na prática, o novo padrão significará uma redução do custo energético por transação para 35 Wh, 0,003% do custo do Bitcoin. Isso será possível porque o modelo por Prova de Participação não fará uso da solução laboriosa de um problema matemático pelos computadores, mas sim de staking. Staking é como um depósito feito pelo usuário minerador, valor que funciona como uma garantia para a validação.
PoW, apesar de ter sido a proposta original para as duas maiores blockchains já criadas na história, é um modelo frequentemente tido como ultrapassado e não mais empregado em novas blockchains. O modelo PoS, além de causar menor impacto ambiental, permite maiores velocidades de transação e escalonamento das operações. Solana, Polkadot e Cardano são exemplos de novas blockchains que rodam por PoS. Outras buscam alternativas ainda mais ousadas, como a Chia, que lançou a ideia limpa de Prova de Espaço e Tempo.
O Bitcoin pode mudar para PoS?
Existe bastante debate se o Bitcoin poderia transicionar para PoS ou não, especialmente após a atualização da Ethereum se provar eficaz.
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Um dos grandes incentivos para a mudança na Ethereum, porém, foi a proposta original da rede: os contratos inteligentes. A Ethereum foi criada como uma plataforma para a programação de dApps (aplicativos descentralizados) e a automatização de operações, não somente para registrar transações em cripto. Isso fez com que, com o crescimento da rede, o PoW se tornasse um entrave à criação e expansão de dApps ao causar congestionamentos, gerar altos custos de transação e impedir o escalonamento. A própria comunidade votou e buscou o consentimento em prol da atualização, cuja implementação levará cerca de 2 anos.
O mesmo não se aplica ao Bitcoin. A rede Bitcoin foi criada apenas para ser uma criptomoeda, uma alternativa de dinheiro digital descentralizado, e ela tem cumprido esse objetivo com sucesso. Se tornou a maior blockchain do mundo, totalmente consolidada e descentralizada, com um valor de mercado que chegou a superar US$ 1 trilhão em meados de 2021. Os interesses econômicos envolvidos são fortíssimos, especialmente no que tange aos mineradores.
Existem, hoje, seis principais fazendas que controlam cerca de 95% dos recursos da blockchain. Essas entidades precisariam, espontaneamente, desejar uma mudança e votar na mesma através do sistema de governança. Mas não existe nenhuma demanda técnica para tal, já que o Bitcoin cumpre perfeitamente o papel a que foi proposto. Uma mudança para PoS ainda colocaria um fim ao lucrativo sistema estabelecido por esses mineradores, após todo o pesado investimento já feito em infraestrutura – maquinário que se tornaria imediatamente inútil após a atualização.
A dificuldade técnica e logística e o alto custo também podem ser um impedimento para uma mudança do mecanismo de validação. No caso da Ethereum, a mudança está levando anos e, no caso do Bitcoin, pode até ser impraticável. Isso porque a rede é independente, não existe um CEO nem ninguém para liderar, coordenar a equipe técnica e arcar com os custos e obstáculos do processo. Além disso, atualizações do Bitcoin Core costumam ser opcionais, mas um hard fork como esse exigiria que os nós aceitassem as mudanças ou fossem excluídos da rede. Os nós que optassem por preservar o código antigo sobrariam como uma rede Bitcoin paralela, competindo com a nova PoS.
Outro argumento negativo está relacionado às desvantagens do PoS. A Prova de Participação favorece o enriquecimento dos mais ricos, pois quanto mais criptomoedas são colocadas em staking, maior a chance de o dono ser escolhido como validador do próximo bloco. Também há uma redução geral de segurança, pois alguém que detenha 51% do capital passará a ter o controle da rede, o que, em tese, é mais fácil do que se obter o controle de 51% da hash rate no PoW. Isso, somado à complexidade técnica do mecanismo de recompensas e penalizações de validadores, pode reduzir o valor do BTC e desestimular ainda mais a mudança.
Conclusão
O mecanismo de validação por PoS (Prova de Participação) traz muitos benefícios, como aumento da velocidade e do escalonamento, desafogamento do tráfego de dados e redução do custo de transações. Essas vantagens são certamente bem vindas em plataformas para contratos inteligentes e dApps, mas não significam necessariamente uma melhoria para o Bitcoin.
O benefício ambiental de redução de gasto energético pode, contudo, se tornar motivo suficiente para que a mudança ocorra. Porém, a pressão externa não é suficiente para isso, devendo a própria comunidade Bitcoin se mover espontaneamente em direção à implementação. As dificuldades organizacionais, logísticas e técnicas são tamanhas que acabam por tornar extremamente improvável a mudança do Bitcoin para a Prova de Participação no futuro.
Sobre o autor
Fares Alkudmani é formado em Administração pela Universidade Tishreen, na Síria, com MBA pela Edinburgh Business School, da Escócia. Naturalizado Brasileiro. Atua como Business Development Manager Brasil na Kucoin.